As pesquisas científicas estão em constante evolução, especialmente quando se voltam para entender as causas de um problema global crescente: o aumento alarmante, nas últimas décadas, de casos de câncer colorretal em adultos jovens — por definição, com menos de 50 anos.

A trajetória da cantora e empresária Preta Gil contra a doença chamou atenção para esse cenário. Um estudo publicado neste mês na prestigiada revista The Lancet trouxe novos insights sobre o padrão de mutações genéticas, buscando entender as diferenças entre pacientes jovens e idosos com câncer colorretal.

Conduzido pelo University Shanghai Cancer Center, na China, o trabalho analisou 17.133 amostras de tumores de pacientes brancos, asiáticos e negros diagnosticados com a doença em oito países. Desse total, 29,1% eram indivíduos com menos de 50 anos. A conclusão foi: os tumores de jovens e idosos não apenas se comportam de forma diferente, como também apresentam perfis genéticos distintos.

+Leia também: Por que os casos de câncer em jovens não param de crescer?

Para chegar a esse resultado, os cientistas examinaram alterações no DNA das amostras de pacientes da China, da Coreia do Sul, dos Estados Unidos, do Canadá, da Holanda, da França, da Espanha e da Nigéria.

Como o câncer é causado por mutações genéticas, os pesquisadores dividiram os casos em dois grupos, de acordo com a quantidade de mutações por megabase — unidade usada para medir o comprimento de sequências de DNA.

No primeiro grupo, ficaram os chamados hipermutados (com mais de 15 mutações por megabase). Os demais foram classificados como não hipermutados. Entre os hipermutados, os pacientes jovens apresentaram uma carga de mutações 11% maior do que os mais velhos. Além disso, nesse grupo, foram identificadas mais alterações em genes associados à iniciação e ao desenvolvimento do câncer.

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Já no grupo não hipermutado, os pacientes jovens apresentaram menos mutações que os idosos, e não se observaram padrões tão distintos entre as faixas etárias. Isso reforça a hipótese de que, quando os tumores em jovens têm muitas mutações, eles se desenvolvem de forma mais rápida — sem a necessidade de um acúmulo progressivo ao longo dos anos, como costuma ocorrer em idosos.

O estudo chinês dialoga com outro trabalho relevante, publicado este ano na revista Nature, que investigou como os processos de mutação se associam à geografia e à idade dos pacientes. Ao avaliar quase mil genomas de 11 países — incluindo o Brasil —, os cientistas identificaram variações nas chamadas assinaturas genéticas do câncer colorretal conforme o país e a faixa etária.

Essas assinaturas são como “cicatrizes” deixadas no DNA por agentes danosos — químicos, metabólicos ou bacterianos. Muitas delas ainda têm origem desconhecida. As alterações causadas por esses agentes contribuem para o processo de transformação das células saudáveis em células cancerígenas.

Nos países com maior incidência de câncer colorretal, como Rússia, Canadá e Polônia, foram mais comuns duas assinaturas específicas, denominadas SBS88 e ID18. Ambas estão associadas à colibactina, uma toxina produzida pela bactéria Escherichia coli e por outras bactérias intestinais. Essa substância é capaz de danificar o DNA, favorecendo o aparecimento do câncer.

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Essas assinaturas foram 3,3 vezes mais comuns em pessoas diagnosticadas antes dos 40 anos do que naquelas após os 70. Além disso, a presença da colibactina foi associada a mutações no gene APC, um dos primeiros a se alterar no processo de desenvolvimento do câncer colorretal.

Por que essas bactérias parecem afetar mais os jovens? Ainda não há uma resposta definitiva. Uma hipótese é que essas bactérias estejam presentes no intestino desde a infância ou a adolescência e causem danos de forma silenciosa por anos.

Fatores como obesidade, dieta rica em ultraprocessados e uso indiscriminado de antibióticos, especialmente na infância, podem favorecer a mudança na composição do microbioma intestinal — criando um ambiente propício ao câncer colorretal em idade precoce.

Esses dois estudos trazem uma mensagem poderosa: talvez não estejamos lidando com uma única doença, mas com duas formas distintas de câncer colorretal — uma que acomete idosos de forma mais lenta, e outra que surge nos jovens com maior agressividade e peculiaridades genéticas próprias.

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Essa constatação pode mudar as estratégias de prevenção, rastreamento e tratamento. Já há países que reduziram a idade recomendada para a primeira colonoscopia para 40 anos. Além disso, identificar e controlar precocemente os fatores que favorecem certas bactérias intestinais pode se tornar uma estratégia preventiva.

Por fim, saber que muitos tumores em jovens são mais mutados e possuem mutações diferentes pode permitir o desenvolvimento de tratamentos específicos mais eficazes para esses casos, como novas imunoterapias e terapias-alvo.

À luz dessas descobertas, talvez seja hora de parar de pensar em “um só câncer colorretal”, e começar a tratá-lo como doenças diferentes, com abordagens distintas.

*João Fogacci, oncologista da Oncologia D’Or

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