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O conteúdo que compartilho hoje com vocês, leitores da Veja Saúde, tem um “gostinho” diferente, uma vez que estou aqui como “correspondente” internacional no maior congresso mundial sobre câncer de mama, o San Antonio Breast Cancer Simposyum 2025 (SABCS).
Eu e uma equipe talentosa do Centro de Referência de Tumores da Mama do A.C.Camargo Cancer Center passamos os quatro dias deste congresso ouvindo sobre avanços de outros centros oncológicos para impulsionar a medicina moderna e posso garantir que voltaremos ainda mais inspirados em fazer acontecer aqui no Brasil também.
Veja a seguir alguns destaques:
Brasil em destaque com produção científica robusta
O que é motivo de orgulho para todos nós é que tivemos a oportunidade de apresentar em formato de pôsteres 20 trabalhos, isso mesmo, 20 estudos conduzidos na nossa instituição, que trouxeram a expertise brasileira como destaque para o mundo.
É o Brasil mostrando seu protagonismo e reforçando o peso e relevância da nossa produção científica, especialmente na oncologia.
Participação de pacientes nas discussões científicas
Alguns temas me chamaram a atenção por serem realidades muito parecidas ou muito diferentes da que vivemos no Brasil. No nosso país, por exemplo, por questões legais, pacientes não podem participar de eventos científicos junto com médicos prescritores de medicamentos, mesmo que sejam usuários dos fármacos em questão.
Já nos Estados Unidos, em todas as salas onde há discussões de trabalhos, médicos e pacientes dividem a mesma mesa de debates.
Esses pacientes são chamados pelo congresso para comporem a mesa e discutir, do ponto de vista do paciente, o que ele ou ela sentem sobre o que está sendo debatido à respeito de uma linha de tratamento. Isso é fantástico!
No Brasil, eu conheço uma paciente que diz muito a seguinte frase: Nada sobre mim, sem mim. Infelizmente no Brasil, é sempre sem ela, mas nos simpósios norte-americanos é diferente.
Estes pacientes chamados advocates participam juntos e as discussões se tornam mais reais, mais humanas e mais inclusivas. É uma forma de levar conhecimento para eles, muni-los de informação relevante para a sua jornada oncológica. Trata-se de um meio para incluí-los nas conversas e movimentos sobre conscientização da doença e das novas alternativas terapêuticas.
+Leia também: A plateia no palco: o papel do paciente nos congressos médicos
Acesso a medicamentos e papel da pesquisa clínica
Outro ponto bem importante é sobre acesso a medicamentos. No congresso, geralmente se discute sobre fármacos que já são aprovados no exterior e que no Brasil ainda não existem na rotina clínica padrão.
No entanto, é interessante lembrar que quase todas as “novas medicações” são acessíveis no Brasil como pesquisa clínica, ou seja, mesmo que não estejam disponíveis comercialmente, alguns pacientes podem se beneficiar delas como voluntários em pesquisas.
Prometo falar mais sobre este tema em outro texto, mas por enquanto, uma informação importantíssima: pesquisa clínica não é teste com ratinhos. Quem entra para estudo clínico não é cobaia. Pesquisa clínica é oportunidade de vida.
Muitos dos medicamentos mais importantes da medicina demoram um tempo considerável para serem aprovados e checar se seu caso ou de um conhecido pode ser tratado com recursos de pesquisa clínica oferece a oportunidade de usar as melhores terapias antes mesmo da aprovação formal no rol de medicamentos brasileiros.
Terapia hormonal e impacto das redes sociais
No primeiro dia do simpósio, um grupo de médicas abordou com destaque o papel da terapia de reposição hormonal na jornada oncológica e, neste contexto, reforçou que assim como no Brasil, muitas são as dúvidas que as mulheres têm sobre o tema — e claro, essas dúvidas precisam de resposta.
O que me chocou é que elas destacaram que mulheres procuram 27 vezes mais informação entre influenciadores digitais famosos (os chamados top 20 médicos influenciadores) do que em materiais confiáveis de sociedades médicas.
Você pode perguntar: mas doutora, se são médicos influenciadores qual é o problema? Sim, muitos são de fato médicos, no entanto, isso não significa que o que trazem nas redes é verdade absoluta. Há muitos médicos hoje que não têm especialidade, mas se colocam como especialistas nos seus perfis. É preciso ter responsabilidade sobre cada conteúdo produzido e publicado na internet.
A disseminação de informação equivocada, sem evidência científica ou apenas baseada em critérios pessoais, pode causar muito dano à população. Quando há a chancela de uma sociedade médica por trás, não é um único médico falando, mas sim todo um grupo de especialistas que estão reafirmando uma notícia ou uma recomendação.
+Leia também: Quem faz conteúdo sério sobre saúde
Álcool, alimentação e risco de câncer de mama
Um dos temas que sempre surgem em congressos como o SABCS, respaldado com dados científicos robustos, diz respeito ao aumento do risco de câncer que as bebidas alcoólicas podem gerar, em especial nos casos de câncer de mama. Com o final de ano, as festas e confraternizações regadas a muita comida e bebida, um ou outro leitor aqui pode dizer: Mas são apenas um ou dois finais de semana.
Pois é, infelizmente os trabalhos apresentados foram decisivos: independente da dose ou do tipo da bebida alcoólica, há aumento do risco para câncer.
Já no tocante às comidinhas das festas, um alimento que foi ressaltado nos trabalhos internacionais como aliado na redução desse risco foi o brócolis. Isso mesmo, o brócolis foi citado em mais de uma aula como protetor contra o câncer de mama.
Que tal já pensar numa receita para incluí-lo à mesa nesse Natal e Ano Novo? Não quero estragar prazeres nesse fim de ano, mas fazer escolhas mais equilibradas nesse período pode realmente te ajudar a viver melhor e começar o novo ano com o pé direito.
Experiências que moldam uma medicina mais humana
Se tem algo que esse simpósio nos mostrou é que a troca de experiências e o reconhecimento das particularidades de cada subgrupo de pacientes, assim como sua cultura, são fundamentais para uma medicina de qualidade.
Por isso, me sinto muito grata por tanto network e pela oportunidade de compartilhar um pouquinho de tudo isso com vocês.
Sextou!
Fabiana Makdissi, direto de San Antonio, Texas, Estados Unidos
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