Artigo escrito pela médica Larissa Gomes, especialista em Clínica Médica pelo Hospital São Lucas da PUCRS. Especialista em Cancerologia Clínica pelo Hospital Beneficiência Portuguesa de São Paulo, Brasil. É membro da American Society of Clinical Oncology (ASCO), European Society for Medical Oncology (ESMO) e Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

O câncer do colo do útero ainda representa uma das neoplasias mais frequentes entre mulheres em idade reprodutiva no Brasil. Segundo estimativas do INCA, é o tumor ginecológico mais incidente, com cerca de 17.010 novos casos ao ano, e ocupa o primeiro lugar em mortalidade entre brasileiras com menos de 36 anos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) o considera altamente prevenível: com acesso ao rastreamento regular e à vacinação contra o HPV, a doença poderia ser praticamente eliminada.

Mesmo assim, milhares de mulheres recebem esse diagnóstico todos os anos — muitas são jovens, mães de crianças pequenas ou profissionais em ascensão, que nunca fizeram o exame preventivo ou alegam falta de tempo para realizá-lo.

Importância do rastreamento precoce

O exame de Papanicolau (citologia cervicovaginal) e, mais recentemente, o teste DNA-HPV, permitem detectar alterações iniciais no colo do útero, possibilitando o tratamento antes da evolução para o câncer. São procedimentos simples, rápidos, indolores para a maioria das mulheres e fornecidos gratuitamente pelo SUS.

Segundo o INCA, aproximadamente uma em cada três mulheres entre 25 e 64 anos não realiza o exame regularmente — entre as mais jovens (25 a 35 anos), a adesão é ainda menor. Isso é preocupante porque estes exames identificam lesões precursoras que, se tratadas a tempo, impedem totalmente a evolução para o câncer.

A recomendação oficial é que todas as mulheres com vida sexual ativa realizem o exame a partir dos 25 anos, repetindo-o a cada três anos após dois exames anuais consecutivos com resultado normal.

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O câncer do colo do útero se desenvolve de forma lenta ao longo dos anos, geralmente a partir de infecções persistentes pelo HPV — vírus sexualmente transmissível extremamente comum. Os subtipos 16 e 18 são os mais oncogênicos, enquanto os tipos 6 e 11 geralmente causam verrugas genitais.

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Vacinação contra o HPV

  • Vacina no SUS: oferecida gratuitamente para meninas e meninos de 9 a 14 anos, em dose única — mudança recente para facilitar a adesão, conforme recomendações da OMS e da OPAS.
  • Grupos especiais até 45 anos: pessoas vivendo com HIV, imunossuprimidos (como transplantados e pacientes em quimioterapia), vítimas de violência sexual, usuários de PrEP ou pacientes com papilomatose respiratória recorrente têm direito à vacina em esquemas de 2 ou 3 doses.
  • Proteção oferecida: a vacina quadrivalente protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18, responsáveis por até 70% dos casos de câncer do colo do útero, além de tumores de ânus, vagina, vulva e orofaringe.
  • Vacinação precoce: quanto mais cedo, melhor. Aplicada antes do início da vida sexual, a resposta imunológica é mais intensa, garantindo maior proteção com apenas uma dose.
  • Resgate vacinal: até dezembro de 2025, adolescentes de 15 a 19 anos que não se vacinaram na idade indicada também podem receber a vacina gratuitamente no SUS.

Desafios para a adesão ao exame preventivo

A resposta para a baixa adesão é complexa e envolve múltiplos fatores:

  • Rotina atribulada: conciliar trabalho, estudos e família faz com que a saúde preventiva fique em segundo plano. Muitas dessas mulheres são responsáveis pelo sustento de suas famílias.
  • Desconforto ou vergonha: o exame exige contato íntimo, o que gera ansiedade em diversas pacientes. O desconhecimento, o medo e a falta de acolhimento também afastam muitas mulheres do ginecologista.
  • Desinformação: algumas acreditam que, por estarem sem sintomas, não precisam se preocupar ou fazer avaliações regulares. Outras são desencorajadas por familiares que alegam excesso de zelo ou veem o exame como desnecessário.
  • Dificuldades de acesso: em determinadas regiões, conseguir uma consulta ginecológica ainda é um desafio. Barreiras geográficas, filas de espera e ausência de profissionais dificultam o acesso regular ao exame preventivo.
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Essas barreiras mostram que o problema não está na oferta do exame, mas sim na necessidade de aproximar a prevenção da realidade das mulheres.

Inovações para ampliar o acesso à prevenção

  • Teste de HPV-DNA: já disponível em alguns serviços, inclusive no SUS, é mais sensível do que a captura híbrida e o Papanicolau, pois identifica o risco antes mesmo do surgimento de alterações. Detecta o DNA do HPV no local coletado, podendo ser feito na vulva, vagina ou colo do útero.
  • Autocoleta domiciliar: permite que a própria mulher colete o material em casa, de forma simples e discreta. Estudos mostram que essa estratégia aumenta a adesão entre aquelas que evitam o exame por vergonha ou desconforto. Pesquisas brasileiras com o dispositivo SelfCervix® demonstraram que a detecção do HPV-DNA é tão eficaz quanto a feita por profissionais. Nesse estudo, 89% das participantes consideraram o método confortável, 82,5% o preferiram e 79,7% o recomendariam. Estudos internacionais também apontam alta aceitabilidade da autocoleta e aumento da adesão em mulheres que evitam o exame por vergonha ou dificuldade de acesso.

Essas inovações têm potencial para transformar o rastreamento entre mulheres jovens, que valorizam praticidade e autonomia.

Prevenção para todas as mulheres

O rastreamento por meio do exame de Papanicolau é fundamental para qualquer pessoa com colo do útero, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.

O Ministério da Saúde do Brasil, através da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, reforça a importância do acesso equitativo à saúde para essas populações, incluindo a prevenção e o controle de doenças como o câncer do colo do útero.

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Estudos mostram que o acesso limitado à saúde e informações inadequadas podem levar a um menor número de exames preventivos nessa população, aumentando o risco de diagnóstico tardio.

Comunicação com mulheres jovens

Além disso, campanhas de saúde precisam dialogar de forma mais eficiente com o público-alvo. Para alcançar mulheres jovens, é essencial investir em comunicação nas redes sociais, vídeos curtos, depoimentos reais, influenciadoras digitais e até memes, sempre mantendo a seriedade do tema. Se você tem dúvidas ou receios sobre rastreamento, converse com seu médico.

Cuidar de si mesma é um gesto de amor. O câncer do colo do útero não deveria mais ser uma ameaça, pois temos as ferramentas necessárias para preveni-lo — mas é preciso superar os obstáculos de informação, vergonha e acesso.

Mulheres jovens devem saber que dedicar alguns minutos do ano para um exame pode garantir décadas de vida saudável pela frente. Esse cuidado é um presente para si, para os filhos, parceiros, amigos e para toda a sociedade.

Larissa Müller Gomes é oncologista clínica e Membro Brazil Health

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(Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health)

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