
O Brasil é um dos maiores consumidores de café do mundo — estima-se que mais de 95% dos brasileiros bebam a bebida regularmente. O café está tão presente em nosso cotidiano que, para muitos, o simples ato de cortá-lo representa uma perda real na qualidade de vida.
Por isso, cada nova pesquisa sobre os efeitos do café na saúde desperta grande interesse, especialmente quando o assunto é o coração.
Durante o congresso da Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) 2025, realizado neste mês de novembro, foi apresentado o estudo DECAF (Does Eliminating Coffee Avoid Fibrillation?), publicado simultaneamente no periódico JAMA.
O estudo, conduzido por centros nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, desafiou uma crença antiga: a de que o café seria um vilão para quem tem fibrilação atrial (FA) — a arritmia cardíaca mais comum no mundo.
O que o estudo DECAF revelou sobre o café e a arritmia
O DECAF Trial foi o primeiro estudo clínico desenhado especificamente para investigar o impacto do consumo de café cafeinado em pacientes com fibrilação atrial que foram submetidos à cardioversão elétrica — procedimento em que o paciente recebe uma pequena descarga elétrica controlada no peito para o coração voltar a bater no ritmo certo.
Foram incluídos 200 pacientes, todos com histórico recente de consumo de café. Eles foram divididos em dois grupos: metade manteve o consumo habitual de pelo menos 1 xícara de café por dia, enquanto a outra metade absteve-se completamente da bebida e de outras fontes de cafeína por seis meses.
O resultado surpreendeu: a recorrência de fibrilação atrial ou flutter atrial (outro tipo de arritmia) foi menor no grupo que continuou tomando café (47%), comparado ao grupo que se absteve (64%). Isso representou uma redução de 39% no risco de nova arritmia. Além disso, não houve aumento de eventos adversos, como infarto, AVC ou insuficiência cardíaca.
Em outras palavras, quem manteve o café apresentou menos episódios de arritmia — o oposto do que muitos cardiologistas acreditavam até então.
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Por que o café pode proteger o coração?
O café contém centenas de compostos bioativos, sendo a cafeína o mais conhecido. Longe de ser apenas um estimulante, a substância atua bloqueando os receptores de adenosina — substância que, em excesso, pode favorecer a ocorrência de arritmias.
Além disso, há evidências de que o café tem efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes, e pode contribuir para melhorar o metabolismo e o controle da pressão arterial.
Curiosamente, estudos anteriores também apontaram que pessoas que consomem café tendem a praticar mais atividade física, o que reduz o risco de fibrilação atrial. Ou seja, o benefício pode estar ligado a um conjunto de fatores comportamentais e metabólicos.
O que dizem as diretrizes médicas sobre o consumo de café
Os resultados do DECAF Trial estão em linha com o que já indicavam as diretrizes mais recentes das Sociedades Europeia e Americana de Cardiologia sobre fibrilação atrial.
Esses documentos afirmam que o consumo moderado de café (até 3 a 4 xícaras por dia) não está associado ao aumento de risco de arritmias — e, em alguns casos, pode até ter efeito protetor.
Ambas as entidades enfatizam que não há evidência científica que justifique a proibição do café para pacientes com fibrilação atrial, salvo em situações muito específicas, como intolerância individual ou sintomas desencadeados diretamente pela cafeína.
Portanto, o estudo DECAF vem reforçar com base experimental o que as diretrizes já sugeriam por observação populacional: o café, quando consumido com moderação, é seguro para o coração.
Na prática clínica, o estudo traz um alívio para médicos e pacientes. Durante décadas, era comum ouvir orientações para “cortar o café” após o diagnóstico de fibrilação atrial. Agora, com uma evidência robusta de um estudo randomizado, podemos repensar essa recomendação.
Na minha opinião, o equilíbrio, como sempre, é a chave: manter 1 a 2 xícaras de café por dia parece não apenas seguro, mas possivelmente benéfico. É importante, porém, evitar bebidas energéticas ou produtos com altas doses de cafeína sintética, que não se comportam da mesma forma no organismo.
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