
Um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil e no mundo é o colesterol alto. Ele está diretamente ligado à ocorrência das condições que mais provocam mortes: infarto do coração e derrame cerebral.
A medicina evoluiu muito nos últimos anos no tratamento da condição, mas ainda há lacunas a serem preenchidas na prática para diferentes perfis de pacientes.
O Congresso da Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) de 2025 trouxe várias novidades e separamos duas delas aqui.
Medicamento oral inovador mostra resultados expressivos
Resultados promissores vieram com um medicamento via oral chamado enlicitida, um remédio que pertence à família dos inibidores de PCSK9. Esta classe é inovadora e altamente potente, que atua em ponto diferente das famosas estatinas, mais precisamente na enzima hepática PCSK9, reduzindo os níveis de colesterol no sangue.
Os medicamentos que atuam modulando a PCSK9 já existem no Brasil e são altamente potentes. Um deles, o evolocumabe, é aplicado via subcutânea, a cada 15 dias. O outro é a inclisirana, que é aplicado a cada 6 meses.
No estudo de fase 3 denominado CORALreef Lipids, a enlicitida via oral diária reduziu o colesterol LDL (o chamado “colesterol ruim”) em aproximadamente 60% em adultos com colesterol elevado em comparação a placebo.
E isso é ainda mais impressionante pois a quase totalidade dos participantes da pesquisa já estavam em uso de alguma terapia para colesterol, inclusive as estatinas. Ou seja, esta redução de cerca de 60% no colesterol ruim aconteceu em pessoas já usando algum outro tipo de terapia para colesterol.
Esses dados reforçam que, em termos de potência, o remédio está no mesmo patamar das terapias injetáveis que atuam na enzima PCSK9, mas com a grande vantagem de administração oral, o que facilita a adesão, sobretudo em pacientes que têm restrições ou aversão a injeções.
Ainda assim, é importante destacar que os dados de desfecho cardiovascular, como redução de eventos como infarto ou acidente vascular cerebral, ainda não foram concluídos para a enlicitida. Ou seja, não dá para dizer se a redução dos níveis de LDL nesse cenário impacta positivamente na saúde em longo prazo.
O ensaio que avaliará isso envolve mais de 14.500 participantes e sua conclusão está estimada para 2029. A enlicitida ainda está em fase de estudos e não há previsão de lançamento mundial nem no Brasil. Espera-se que seu custo seja mais acessível que seus “primos” moduladores de PCSK9. Vamos aguardar cenas dos próximos capítulos.
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Terapia gênica inaugura nova era no controle do colesterol
Outra novidade neste mesmo congresso foi a apresentação do estudo de fase 1 que pode inaugurar uma nova fronteira no combate ao colesterol e aos triglicérides altos. Os pesquisadores testaram uma terapia genética chamada CTX310, que usa a tecnologia para “desligar” um gene específico no fígado, o ANGPTL3.
O tratamento é feito em dose única, por infusão, e o objetivo é que essa modificação genética traga benefícios duradouros, sem a necessidade de uso contínuo de medicamentos.
O gene ANGPTL3 é responsável por produzir uma proteína que freia a ação de duas enzimas fundamentais no metabolismo das gorduras do sangue:
- Lipoproteína lipase (LPL) – ajuda a “quebrar” os triglicérides;
- Lipase endotelial (EL) – participa do processamento dos lipídios, inclusive do colesterol.
Quando o gene ANGPTL3 é “desligado”, essas enzimas passam a trabalhar livremente, eliminando de forma mais eficiente o colesterol LDL (“colesterol ruim”) e os triglicérides. Em outras palavras, a terapia faz com que o corpo se torne naturalmente mais eficiente em “limpar” as gorduras do sangue — e isso com apenas uma aplicação.
O estudo envolveu 15 adultos, com idade média de 53 anos, todos com colesterol ou triglicérides altos, mesmo após tratamentos convencionais. Foram testadas cinco doses diferentes do CTX310, e os resultados foram avaliados até 60 dias após a infusão.
Os resultados impressionaram: o colesterol LDL caiu cerca de 49% nas doses mais altas e os triglicérides tiveram redução média de 55%.
Em relação à segurança, o tratamento foi bem tolerado: não houve efeitos graves. Alguns participantes tiveram reações leves (como febre, náusea e dor lombar passageira), e apenas um apresentou aumento temporário das enzimas do fígado, que voltou ao normal em poucos dias.
Mas é importante lembrar: este foi um estudo pequeno e inicial, com poucos participantes e acompanhamento ainda curto. Precisamos entender se o efeito se mantém por anos, se é seguro em populações maiores e se não há consequências a longo prazo. Ainda estamos no começo do caminho — promissor, mas inicial.
Mesmo assim, a mensagem é clara: estamos diante de um possível novo capítulo da medicina cardiovascular — uma era em que poderemos tratar o colesterol elevado não apenas com comprimidos, mas com uma edição precisa de genes que o causam.
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