Na terra dos igarapés, onde reina Iara, a Mãe d’Água, se espraia a maior bacia fluvial do planeta, numa paisagem dominada por árvores imensas, muitas delas permanentemente inundadas nas matas.

É ali, nessas áreas alagadas, que cresce um frutinho com aparência frágil, mas dono de um dos maiores teores de vitamina C do globo — o camu-camu. “Ele oferece 30 vezes mais do que a laranja”, exalta a nutricionista Cynthia Antonaccio, nascida em Manaus e hoje à frente da consultoria Equilibrium Latam.

“E mostra muito potencial para o mercado de alimentos funcionais, em expansão internacional.” A tendência é misturar ingredientes e experiências ancestrais com o que há de mais moderno nos produtos.

Quem já trilha esses passos são o guaraná e o cacau amazônico. “São frutos hoje utilizados para o desenvolvimento de suplementos com alta tecnologia”, nota a biogerontóloga Ivana Cruz, da Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade (FUnATI), que realiza pesquisas com foco em nutrição sob o prisma da inovação técnica e social. A Amazônia, claro, é um prato cheio para a cientista.

Fora dos laboratórios, as espécies da Região Norte continuam a ganhar território na culinária. “O mundo está olhando para a Amazônia porque quer entender o que de fato é diversidade, ancestralidade e sabor de verdade”, afirma o chef paraense Saulo Jennings, embaixador gastronômico da ONU e figura destacada na COP30.

Para o dono do restaurante Casa do Saulo, com unidades em Belém, Santarém e Rio de Janeiro, valorizar os alimentos nativos também é uma forma concreta de conservar esse bioma.

Quem assina embaixo dessa ideia é outra chef, a paulistana Bel Coelho, que desbravou esse pedaço do Brasil para elaborar o livro Floresta na Boca, da Editora Fósforo (clique para comprar). A obra reúne receitas e relatos da população local, mostrando que a cultura alimentar é ferramenta de cuidado com o ambiente. “A preservação depende dos povos, seus ensinamentos e sua interação com a natureza”, defende a autora, à frente dos restaurantes Cuia e Clandestina, em São Paulo.

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Lições que mesmo quem mora em outras regiões pode incorporar. “Além do valor nutricional, os alimentos do Norte oferecem a oportunidade de diversificarmos a dieta e fortalecermos a agricultura regenerativa”, defende a nutricionista Lara Natacci, Ph.D. pela USP e membro do Entre Solos, pacto da ONU pela sustentabilidade. É hora de resgatar esses saberes e sabores.

A seguir, conheça sete alimentos amazônicos e seus benefícios à saúde.

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Mandioca

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nome científico: Manihot esculenta

Nomes populares: também chamada de macaxeira e aipim. O termo “mandioca-mansa” é usado para diferenciar da brava, que contém uma substância tóxica.

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Proclamada a rainha do Brasil, a raiz que vem do Norte é matéria-prima de produtos e receitas que são pura tradição. A começar pelas farinhas e suas diversas opções. Entre as de água, que passam por técnicas de fermentação ensinadas pelos indígenas, destacam-se duas crocantes e amarelinhas, a Uarini e a de Bragança.

Há ainda as secas, com diferentes granulações, que servem como base para a farofa. Tem também a goma, ingrediente principal da badalada tapioca, que nas receitas originais é acompanhada de peixe. Saindo do universo farináceo, outra preparação com identidade nortista é o tucupi, sumo que preenche as cuias do caldo conhecido como tacacá.

E com a folha, a maniva, se faz a maniçoba, um delicioso cozido. “Da mandioca vem quase tudo o que nos define, ela é raiz no sentido literal e simbólico, prova de que a simplicidade pode carregar uma força imensa”, define o chef Saulo Jennings.

Para além dos sabores, é fonte de carboidrato, nutriente da energia, e demais atributos. A engenheira de alimentos Marciane Magnani, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), já identificou, entre suas pesquisas com a espécie, compostos fenólicos, amido resistente e fruto-oligossacarídeos.

“Esse trio tem ação prebiótica, o que significa que favorece a proliferação de bactérias benéficas que habitam o intestino”, conta. Bom para o aparelho digestivo, mas também para a imunidade e até o humor.

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Castanha-do-pará

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nome científico: Bertholletia excelsa

Nomes populares: Também chamada de castanha-do-brasil e castanha-da-amazônia. Em inglês, a espécie é conhecida como Brazil nut.

“Ela está sempre por perto, seja em farofas, seja em sobremesas. É versátil, nutritiva e representa o equilíbrio entre a força e a delicadeza que existem na floresta”, sintetiza o chef Saulo.

O alimento ganhou a atenção dos pesquisadores por ser uma das maiores fontes de selênio, mineral de potente ação antioxidante.

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A oleaginosa é uma das integrantes do estudo Castanhas Brasileiras, que esmiúça as propriedades das espécies nativas. “A escolha se deu, entre outros motivos, pela escassez de trabalhos científicos que tragam detalhes sobre esse patrimônio brasileiro”, relata a nutricionista Helen Hermsdorff, professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, e uma das coordenadoras da iniciativa.

Entre os principais achados até agora, estão seus efeitos anti-inflamatórios e o auxílio que pode dar para o processo de perda de peso. Um punhado de castanha-do-pará incrementa a sensação de saciedade e, ao mitigar as inflamações, ajuda a proteger o organismo de situações que vão de artrite a doenças cardiovasculares.

Guaraná

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nome científico: Paullinia cupana

Nomes populares: Guaraná vem do tupi waraná, que significa “o princípio de todo o conhecimento”. Ainda é conhecido como uaraná, cupana e paulínia.

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Correndo atrás de explicações sobre a alta expectativa de vida em Maués, município do Amazonas, o geriatra Euler Ribeiro, reitor da FUnATI, encontrou no guaraná boa parte das respostas. Junto da professora Ivana Cruz e demais pesquisadores, o médico amazonense investigou a composição nutricional do fruto.

Trata-se de um caldeirão com uma mistura — quase mágica — de compostos bioativos. Há desde o grupo das catequinas, do qual faz parte a epigalocatequina, até as xantinas, com destaque para a teobromina e a cafeína. Uma química poderosa. “Há evidências de efeitos no controle do colesterol e da pressão”, relata o geriatra.

Somam-se ainda a atuação neuroprotetora e as mais conhecidas propriedades energéticas. Inclusive, conta-se que os povos originários — sobretudo a tribo Sateré-Mawé — sempre usaram a espécie antes de se embrenhar na selva para atividades extenuantes, como a caça.

E eles ensinaram a receita de uma bebida, aliada da disposição, feita com a semente do fruto. “Para atenuar o sabor amargo, a dica é adoçar com o mel das abelhas nativas”, sugere Ribeiro. Receita milenar.

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Açaí

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nome científico: Euterpe oleracea

Nomes populares: A palavra vem do tupi e quer dizer “o fruto que chora”. Também se referem a ele como açaí-do-pará e açaí-verdadeiro.

Celebrado em canções e exportado com sucesso, o fruto merece o título de guardião, sim, inclusive da saúde do cérebro. A professora Ivana Cruz, que investiga o açaí há mais de 15 anos, o considera um exemplo de mood food, um alimento que contribui para o bem-estar mental.

“Ele oferece substâncias que atuam nos neurotransmissores e em processos cerebrais envolvidos com a regulação do humor”, explica. Boa fonte de energia, o fruto arroxeado ainda dispõe de compostos protetores para as células, com destaque para a antocianina, pigmento por trás de sua típica coloração e dotado de capacidade antioxidante e anti-inflamatória.

Além de reunir tantos benefícios, faz bonito na culinária — pois é, ele não se limita à tigela com granola! “Uso tanto na forma tradicional, com peixe frito e farinha, quanto em preparos mais elaborados, como molhos e acompanhamentos que mostram como ele pode ir muito além do que se vê por aí”, ensina o chef Saulo, que tem açaizeiros em seu restaurante de Alter do Chão, às margens do Rio Tapajós, no Pará.

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Tucumã

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nomes científicos: Astrocaryum aculeatum e Astrocaryum vulgare

Nomes populares: São duas espécies. A primeira é chamada de tucumã-do-amazonas, tucumã-açu, tucumã-arara… A segunda de tucumã-do-pará, tucum-piranga ou tucum-da-mata.

Pequeno, o tucumã tem, em média, 6 centímetros de diâmetro e pesa 75 gramas. Cresce em uma palmeira espinhuda, com cerca de 15 metros de altura. Sua polpa é considerada uma iguaria e precisa ser retirada delicadamente, em lascas. A coloração é de um amarelo intenso, que revela uma enorme quantidade de betacaroteno.

Inclusive, esse pigmento protetor pode até tingir, momentaneamente, os lábios de quem se aventura a descascar o fruto com a boca e exagera nas porções. “No organismo, a substância se transforma em vitamina A”, esclarece o médico Euler Ribeiro, que degustava um tucumã enquanto falava com VEJA SAÚDE, direto de Manaus. O nutriente atua em prol da visão, da imunidade e dos ossos.

Do café da manhã ao jantar, o alimento faz parte do dia a dia amazônico. De tudo quanto é jeito. In natura, em forma de petisco, misturado com farinha, na tapioca e na receita conhecida como X-Caboquinho, versão tupiniquim do cheesebúrguer — mas aqui, além do fruto, entra o queijo de coalho, tudo dentro de um pão na chapa.

Cacau

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nome científico: Theobroma cacao

Nomes populares: A mesma espécie dá as caras na Amazônia e na Bahia; os nomes variam justamente conforme a região: cacau-da-bahia, cacau-verdadeiro, cacau amazônico…

Embora existam evidências da ocorrência natural do cacaueiro em meio à Floresta Amazônica, a espécie é associada à América Central, pelo vínculo com os povos maias e astecas. Afinal, foram eles os responsáveis pela receita que ganhou o mundo e seria a precursora do chocolate. Mas, no Norte do Brasil, os indígenas coletavam os frutos silvestres desde antes de os europeus pisarem por aqui e preparavam refrescos.

Passado tanto tempo, o cacau segue absoluto junto ao doce que conquistou o mundo — apesar dos temores relacionados aos efeitos das mudanças climáticas na colheita.

A espécie realmente tem seus trunfos nutricionais. “Nossas análises mostram que, na casca da semente, há uma grande concentração de flavonoides, capazes de modular a inflamação ligada a doenças neurodegenerativas”, diz a professora Ivana Cruz.

Não bastasse, a espécie tem sido modelo de sustentabilidade na Amazônia. “O cacaueiro é um vetor da bioeconomia regenerativa”, afirma Cynthia Antonaccio. “No sistema agroflorestal, ele gera renda sem desmatamento e recupera áreas degradadas.”

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Cupuaçu

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(Ilustração: Rômolo d’Hipólito/Veja Saúde)

Nome científico: Theobroma grandiflorum

Nomes populares: Também atende pelos apelidos de cupu, pupu, pupuaçu e cacau-cupuaçu.

Embora o cupuaçuzeiro nem esteja entre as árvores mais altas da região amazônica, a espécie é toda exagerada. Não à toa, recebeu esse nome, que vem do tupi: kupu quer dizer algo como “parecido com o cacau” e uasu significa “grande”.

E tudo leva a crer que esse tamanho todo seja obra dos povos originários. “Há indícios, vindos de sequenciamento genético, de que o cupuaçu é uma variante do cupuí, fruto menor da mesma família”, revela o biólogo Matheus Colli-Silva, que se debruçou sobre a espécie no Instituto de Biociências da USP.

Os indígenas foram selecionando e cruzando os maiores exemplares do cupuí, ao longo do tempo, e ocorreram as mudanças que desembocaram no cupuaçu — um processo que ocorreu há mais de 5 mil anos. Lara Natacci é fã.

“Ele é fonte de polifenóis e compostos aromáticos ligados à saúde cardiovascular”, destaca a nutricionista. Da sua polpa se faz suco. Das amêndoas, o cupulate, um primo do chocolate. E a casca é adubo de excelente qualidade. Um tesouro que propicia outras riquezas: do parente cacau ao vitaminado camu-camu.

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