A hipertensão arterial é uma das doenças mais comuns em todo mundo, e costuma bater à porta a partir dos 40 anos, quando a soma de maus hábitos e predisposição genética começa a afetar a saúde. Mas isso não quer dizer que o quadro não possa se instalar já nos primeiros anos de vida.

Crianças e adolescentes também podem ter pressão alta — e, segundo estudo publicado nesta quarta-feira (12) no periódico The Lancet Child & Adolescent Health, os casos estão ficando cada vez mais frequentes.

Ao comparar dados de saúde infantojuvenil de 2000 a 2020, pesquisadores da China e do Reino Unidos observaram que a taxa de hipertensão arterial em jovens de até 19 anos praticamente dobrou neste período, indo de 3,2% para 6,2%. São mais de 114 milhões de crianças e adolescentes com o diagnóstico em todo o mundo.

A obesidade nessa faixa etária é o principal fator de risco para o aparecimento do problema, sugere o estudo. Um em cada cinco (19%) jovens com obesidade tem hipertensão, enquanto menos de 3% dos que estão com o peso ideal têm pressão alta. Isso quer dizer que a condição cardiovascular é quase oito vezes mais comum entre aqueles que também convivem com excesso de peso.

“O aumento na incidência de hipertensão arterial infantil ao longo de 20 anos deve soar o alarme para profissionais de saúde e cuidadores”, alerta, em comunicado à imprensa, Igor Rudan, coautor do estudo e diretor do Centro de Pesquisa em Saúde Global da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

“A boa notícia é que podemos tomar medidas agora, como aprimorar os esforços de triagem e prevenção, para ajudar a controlar a hipertensão arterial em crianças e reduzir os riscos de complicações de saúde adicionais no futuro.”

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Outras faces da hipertensão na juventude

Além disso, a publicação revela que 8,2% das crianças e adolescentes têm pré-hipertensão. Nesse estágio, o aumento da pressão arterial ainda pode ser revertido com mudanças de hábito e perda de peso. No entanto, se a condição são for diagnosticada a tempo, ela pode evolui para hipertensão, tornando-se um problema que o jovem terá que tratar pelo resto da vida.

Garotos na adolescência estão em maior risco. Outro dado preocupante é que 9,2% dos jovens de até 19 anos podem ter uma “hipertensão mascarada”, ou seja, quando a elevação da pressão arterial não é flagrada em exames de rotina, mas acontece no dia a dia do paciente.

O contrário também pode acontecer: estima-se que 5,2% das crianças e dos adolescentes apresentam aumento da pressão quando medem no consultório, mas, ao acompanhar em casa, está sempre normal. É a tal da síndrome do jaleco branco.

Para chegar a essas estatísticas, os autores analisaram dados de 96 pesquisas sobre o assunto, que incluíram informações de 443 mil crianças provenientes de 21 países.

“Abordar a hipertensão infantil agora é vital para prevenir futuras complicações de saúde à medida que as crianças fazem a transição para a idade adulta”, afirma Peige Song, coautora e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Zhejiang, na China.

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Sintomas de hipertensão em crianças e adolescentes

A hipertensão nessa faixa etária costuma ser silenciosa, não causando sintomas em pacientes jovens.

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Quando surgem sinais, como dor de cabeça, tontura ou vômitos, pode ser um caso grave, que precisa de atendimento de emergência”, explica a cardiologista Isabela de Carlos Back, membro do Departamento Científico de Cardiologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Como os pais não têm muito conhecimento sobre a condição e as crianças e os adolescentes não costumam apresentar queixas, a hipertensão em jovens é subdiagnosticada. Para descobrir se os pequenos tem a pressão normal ou não, é preciso aferi-la em consultas de rotina.

Diagnóstico da hipertensão infantojuvenil

“Segundo diretrizes nacionais e internacionais, todas as crianças devem ter sua pressão arterial aferida após os 3 anos de idade, ao menos uma vez por ano”, orienta Back.

Se o jovem tem obesidade, doença renal, diabetes, histórico de obstrução da aorta ou toma medicamentos que aumentam a pressão, a aferição deve ser realizada em toda consulta que ele fizer.

Em crianças abaixo dos 3 anos, a medição é indicada nos seguintes cenários:

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Fatores de risco

A predisposição genética também influencia o aumento da pressão, bem como problemas que podem ocorrer desde a gravidez. “Ter o crescimento intrauterino comprometido ou nutrição inadequada no início da vida, especialmente ganho de peso rápido de bebês prematuros e falta de amamentação ao peito são outros fatores”, lista Back.

Além da já mencionada obesidade, problemas como diabetes, colesterol alto, sedentarismo e alimentação rica em ultraprocessados são outros vilões.

Nos adolescentes, o consumo de cigarro e bebidas alcoólicas podem aumentar a pressão arterial, especialmente nos que já tem predisposição genética”, alerta a médica brasileira.

Tratamento e prevenção

A criança ou o adolescente deverá, assim como os adultos com hipertensão, tomar medicamentos antihipertensivos e focar nas mudanças de hábito.

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“Recomenda-se seguir uma dieta chamada Dash [sigla em inglês para Abordagens Dietéticas para Parar a Hipertensão]“, indica Back. “Ela inclui diminuir sal, gorduras totais e saturadas, açúcares, carne vermelha e laticínios; e aumentar frutas e verduras, proteínas magras, aves, peixes, grãos integrais e castanhas.”

É preciso também incluir atividade física na rotina e limitar o tempo de tela a duas horas por dia. “Adolescentes atletas merecem um olhar especial. Eles precisam ter sua pressão controlada antes de serem liberados para treinar e competir”, alerta.

O peso e problemas de saúde associados devem ser controlados.

Seguir esses passos, aliás, também é uma forma de evitar a doença. “A prevenção começa na gestação e é muito importante ter os dois primeiros anos de vida saudáveis, o que inclui o diagnóstico e tratamento precoce de comorbidades, uma alimentação saudável, atividade física, contato com a natureza, pouca tela e combate ao fumo e ao álcool”, orienta Back. 

“Estes cuidados precisam ser ainda mais intensivos nas famílias com histórico de hipertensão”, ressalta. “E, na idade certa, é necessário medir, medir e medir a pressão: quanto mais precoce for o diagnóstico, mais provável será o controle.”

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Palavra de especialista

A seguir, a médica fala sobre dificuldades no diagnóstico e no prognóstico de crianças e adolescentes com hipertensão arterial:

Quanto mais cedo é feito o diagnóstico, mais fácil de controlar os fatores determinantes e os hábitos associados, que são adquiridos na infância, bem como evita o surgimento de suas complicações.

O grande problema é a falta do diagnóstico na infância e na adolescência, em todo o mundo.

Vários fatores podem explicar isso, especialmente a necessidade de termos aparelhos que realizam a aferição da pressão que sejam adequados para cada idade, bem como um método um pouco mais detalhado de fazer o diagnóstico (a pressão precisa ser indexada por idade e estatura, o que tem sido facilitado por excelentes aplicativos, muitos gratuitos, que fazem isto automaticamente).

No Brasil, isso não é diferente: um estudo de base populacional em Santa Catarina, desenvolvido pela Associação Catarinense de Medicina e pela Sociedade Catarinense de Pediatria, que coletou dados de 2002 crianças de 98 cidades, demonstrou que 55% das crianças e adolescentes nunca tiveram sua pressão aferida e somente 0,5% tiveram o diagnóstico de hipertensão feito.

No Brasil se atribui este subdiagnóstico à falta dos aparelhos na rede (ou mesmo nas clínicas) e falta de sensibilização e treinamento dos profissionais da saúde sobre o tema.

Eu, particularmente, acredito que tem um componente ideológico também: já ouvi de um conceituado médico de família que medir pressão em criança é “medicalizar a vida”.

Quando esse diagnóstico não é feito precocemente e a doença não é controlada, logo observamos as consequências na saúde do jovem. Na segunda década de vida, já se pode evidenciar a hipertrofia e alguma dificuldade de o coração relaxar.

Nos pacientes com doenças renais, isto é ainda mais grave, porque a hipertensão realimenta a lesão nos rins, acelerando muito a evolução a insuficiência desses órgãos. A médio prazo, a hipertensão pode evoluir com lesões e obstrução progressiva das artérias.

Acredita-se que, talvez, a hipertensão arterial seja a principal causa de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral no Brasil (competindo hoje com obesidade e dislipidemia), principais causas de morte e gastos na saúde brasileira. A hipertensão arterial não tratada na infância evolui com hipertensão no adulto, que acomete cerca de um terço da nossa população.

 

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