
Recentemente, uma proposta liderada pela República dos Camarões com coparticipação do Brasil foi aprovada na 78ª Assembleia Mundial da Saúde, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e reacendeu o debate sobre a urgência de fortalecer a capacidade global de oferecer diagnósticos por imagem, sobretudo nos países de baixa e média renda.
Em muitos locais, o acesso a ultrassonografia, tomografia, ressonância magnética e à medicina nuclear ainda é severamente limitado. A iniciativa merece apoio irrestrito de todos os que acreditam em saúde como direito universal. Afinal, estamos falando de tecnologias que salvam vidas, reduzem sofrimento e evitam gastos desnecessários com tratamentos tardios.
O uso de exame por imagem já é um pilar para diagnóstico e tratamento, sobretudo na oncologia.
Exames desse tipo são necessários, por exemplo, para a radioterapia, que é o tratamento usado por cerca de 50% a 70% dos pacientes de câncer em todo o mundo, para procedimentos de radiologia intervencionista e para procedimentos teranósticos, uma abordagem da medicina nuclear que combina diagnóstico com tratamento em um único processo, permitindo localizar e tratar tumores com precisão, sem afetar células saudáveis.
Como sabemos, o diagnóstico precoce é, muitas vezes, o fator decisivo para a cura de um paciente – e é frequentemente nos exames de imagem que conseguimos observar lesões, tumores, inflamações, fraturas e outras alterações antes que elas causem sintomas.
Além disso, exames de imagem são fundamentais para triagem em massa, como as mamografias para detectar o câncer de mama ou as radiografias de tórax para identificar doenças respiratórias.
Todos os anos, morrem prematuramente de câncer e outras doenças não transmissíveis cerca de 17 milhões de pessoas, das quais 86% em países de baixa e média renda. Esses resultados decorrem de infraestrutura deficitária e de escassez persistente de profissionais.
Nesse cenário, a carência de acesso a exames de imagem é altamente preocupante: a cada ano, cerca de 2,3 milhões de mulheres perdem a vida para o câncer ainda jovens e, desse total, quase dois terços são mortes evitáveis com prevenção primária ou detecção precoce.
A realidade brasileira
Mesmo no Brasil, que é considerado um país de renda média alta, verificamos uma realidade incômoda quanto à distribuição desigual de mamógrafos. Dados do Atlas da Radiologia no Brasil (2025), elaborado pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), mostram que o país tem 6.800 mamógrafos, desigualmente distribuídos entre a população: quase metade deles está concentrada no Sudeste, enquanto regiões como o Norte e o Centro-Oeste têm índices muito abaixo da média nacional.
Essa disparidade, no caso brasileiro, também se reflete entre os sistemas público e privado, pois mulheres que dependem do SUS têm muito menos acesso à mamografia do que aquelas com planos de saúde. Em regiões remotas, como aldeias indígenas e cidades do interior do Amazonas e do Acre, por exemplo, o acesso é ainda mais difícil.
Os exames de imagem são essenciais não apenas para o diagnóstico do câncer como também para identificar doenças cardiovasculares, AVC, infecções respiratórias e acompanhamento de doenças crônicas. Na verdade, não só ajudam no diagnóstico como são fundamentais para o estadiamento, o planejamento terapêutico e o acompanhamento da resposta ao tratamento.
A imagem médica é, portanto, uma ferramenta transversal e indispensável na medicina moderna.
A inteligência artificial transforma a radiologia
E agora, com o avanço da inteligência artificial, essa ferramenta ganha ainda mais potência. Os algoritmos de aprendizado de máquina e a radiômica já permitem transformar imagens em dados preditivos, identificar padrões imperceptíveis ao olho humano e acelerar a elaboração de laudos com precisão jamais vista.
Isso significa diagnósticos mais precoces, decisões clínicas mais seguras e tratamentos mais eficazes, sobretudo em áreas como oncologia, neurologia e cardiologia.
A radiologia do século XXI já está pronta para apoiar a medicina de precisão. O que falta assegurar é a vontade política para fazer que essa tecnologia, em constante evolução, chegue a todos. Por um lado, os avanços técnico-científicos nos oferecem possibilidades há pouco tempo inimagináveis, mas, por outro, ainda há regiões no mundo que carecem do básico.
Em alguns países, não há sequer um tomógrafo por milhão de habitantes. A consequência disso são milhões de mortes evitáveis.
Um esforço global para salvar vidas
A revolução técnica científica tem de ser também inclusiva. O acesso à infraestrutura de exames de imagem é absolutamente necessário para dar segurança aos tratamentos e dignidade aos pacientes, que têm o direito de usufruir da tecnologia existente.
A resolução da OMS pode ser o catalisador de uma mudança histórica na direção do desenvolvimento de políticas, estratégias, padrões regulatórios e financiamento de infraestrutura para garantir que equipamentos adequados, força de trabalho e sistemas de qualidade sejam mantidos em âmbito nacional. É hora de fazer um esforço conjunto para garantir que milhões de vidas sejam salvas.
*Giovanni G. Cerri é médico radiologista, presidente dos Conselhos dos Institutos de Radiologia (INRAD) e de Inovação do Hospital das Clínicas
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