
Por décadas, a imagem clássica de quem vivia com diabetes tipo 1 era a de uma pessoa magra e geralmente jovem. O tipo 1 sempre foi descrito como uma condição autoimune — diferente do tipo 2, mais relacionado ao estilo de vida. Mas essa realidade vem mudando.
Hoje, médicos e pesquisadores observam um fenômeno crescente: o ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1. Um cenário novo, que desafia antigos conceitos e exige uma nova forma de cuidar da saúde metabólica.
Os dados mais recentes do Atlas da Federação Internacional de Diabetes ajudam a derrubar o mito de que o tipo 1 é “coisa só de criança”. Segundo o relatório “Type 1 diabetes estimates in children and adults – 2022”, existem cerca de 8,75 milhões de pessoas no mundo vivendo com diabetes tipo 1 — considerando todas as idades. Deste total:
- Aproximadamente 1,52 milhão (17%) são menores de 20 anos;
- Cerca de 5,56 milhões (64%) têm entre 20 e 59 anos;
- Cerca de 1,67 milhão (19,9%) têm 60 anos ou mais.
Ou seja: a grande maioria das pessoas com diabetes tipo 1 já é adulta — o que reforça que esse é um quadro de vida toda, não apenas da infância.
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Adultos também recebem novos diagnósticos
Outro dado importante: entre os novos casos diagnosticados em 2022, cerca de 62% ocorreram em pessoas com 20 anos ou mais.
Esses números mostram que precisamos ampliar o olhar sobre o diabetes tipo 1 — não focar somente em crianças, mas acompanhar adultos que vivem com essa condição e enfrentam desafios como o ganho de peso, a insulina e os fatores de estilo de vida.
Tratamento evoluiu
No passado, o tratamento do diabetes tipo 1 era limitado. As insulinas eram menos estáveis, o controle glicêmico era difícil e a alimentação, bastante restrita. As prioridades eram evitar crises de hipoglicemia e manter a pessoa viva.
Com o avanço da medicina, tudo mudou: surgiram bombas de insulina, sensores de glicose, insulinas modernas e dietas mais flexíveis. A rotina ficou mais leve, o convívio social melhorou e o paciente ganhou liberdade.
Mas essa liberdade trouxe um novo desafio: a balança começou a subir.
Por que pessoas com diabetes tipo 1 estão ganhando peso
Existem várias razões para isso, e todas se conectam.
Uma delas é o próprio efeito natural e esperado da insulina. Esse hormônio é essencial para que a glicose entre nas células, mas também estimula o armazenamento de gordura. Quando há excesso calórico na alimentação, o corpo passa a acumular energia em forma de gordura, especialmente na região abdominal.
Outro fator importante é o estilo de vida moderno. Mesmo pessoas com diabetes tipo 1 estão expostas a longas horas sentadas, alimentação ultraprocessada e pouca atividade física. Além disso, o medo da hipoglicemia faz com que muitos consumam carboidratos em excesso “por precaução”, o que favorece o ganho de peso.
E há ainda o lado emocional: conviver com uma condição crônica exige disciplina e pode gerar ansiedade e cansaço mental. O alimento, nesse contexto, se torna um conforto — e isso pesa, literalmente.
O círculo vicioso da resistência à insulina
O aumento de peso pode levar à resistência à insulina, mesmo em quem tem diabetes tipo 1. Isso significa que o corpo precisa de doses cada vez maiores para manter o controle glicêmico.
Mais insulina, mais armazenamento de gordura, mais resistência, mais insulina. Um círculo difícil de quebrar, que aumenta o risco de obesidade, colesterol alto, hipertensão e doenças cardiovasculares.
Esse quadro cria um novo perfil de paciente: o diabetes tipo 1 com características do tipo 2.
Impactos emocionais do ganho de peso
O ganho de peso no diabetes tipo 1 não afeta apenas o corpo — também mexe com a mente. Muitas pessoas se sentem frustradas por seguir o tratamento corretamente e, ainda assim, engordar.
Isso pode levar a comportamentos perigosos, como reduzir a dose de insulina sem orientação médica, o que pode causar cetoacidose diabética, uma complicação grave e potencialmente fatal.
Falar sobre peso e alimentação saudável exige empatia e informação. O foco não deve ser a magreza, mas o equilíbrio: manter o corpo saudável, o açúcar no sangue controlado e o bem-estar emocional em dia.
Novas estratégias de tratamento em estudo
A boa notícia é que a medicina não para de evoluir. Hoje, existem medicamentos originalmente usados no diabetes tipo 2, como os agonistas de receptor GLP-1, que vêm sendo estudados para ajudar pessoas com diabetes tipo 1 a controlar o peso e a reduzir a necessidade de insulina.
Outros medicamentos em teste são os inibidores de SGLT2, que aumentam a eliminação de glicose pela urina. Esses fármacos auxiliam na saciedade, melhoram o controle glicêmico e contribuem para o emagrecimento saudável.
A tecnologia também é uma aliada importante. Aplicativos de monitoramento, sensores contínuos de glicose e bombas de insulina inteligentes permitem ajustes mais precisos e maior compreensão de como o corpo reage à alimentação e ao exercício físico.
Mas vamos deixar claro: tudo isso acima está em estudos. E, claro, nada substitui o básico: atividade física regular e alimentação saudável. Optar por alimentos ricos em fibras, proteínas e gorduras boas, evitar produtos ultraprocessados e manter horários regulares de refeição são estratégias simples, mas poderosas.
Um novo olhar sobre o diabetes tipo 1 e a obesidade
Durante muito tempo, acreditou-se que o diabetes tipo 1 e a obesidade não podiam coexistir. Hoje, sabemos que podem — e que isso não significa descuido.
O ganho de peso é consequência de um conjunto de fatores biológicos, psicológicos e sociais. O que antes era um desafio de sobrevivência — manter a glicose sob controle — agora é um desafio de qualidade de vida.
Compreender esse novo cenário é fundamental para reduzir preconceitos e melhorar o cuidado. O foco deve estar em uma vida saudável e equilibrada, e não apenas na aparência ou no número da balança.
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