
O avanço no tratamento do câncer nas últimas décadas reflete-se diretamente em taxas crescentes de cura e sobrevida no Brasil. Um exemplo disso, são os tumores pediátricos, que hoje, já apresentam taxas de sobrevida de 85% em 5 anos, uma verdadeira conquista para a medicina.
Diante desse cenário, o novo desafio é garantir que esse paciente seja reabilitado após o tratamento, podendo voltar a viver plenamente e com qualidade de vida. Para garantir esse feito, é preciso cuidar de diversos aspectos da saúde do paciente, que vão muito além da cura do câncer, mas envolvem, o manejo dos possíveis efeitos colaterais dos tratamentos oncológicos.
Com o sucesso do tratamento, começamos a voltar o nosso olhar para questões como fertilidade e sexualidade pós câncer, como recomendação das principais sociedades oncológicas do mundo.
Isso porque, muito se fala sobre como a radioterapia pode causar disfunção miccional, por exemplo, mas e como ficam as chances desse paciente se relacionar saudavelmente e constituir uma família no futuro? Será que estamos realmente pensando sobre todas as consequências do tratamento e como reverter eventuais efeitos adversos?
Estima-se que entre 40% e 80% dos pacientes em idade reprodutiva possam desenvolver infertilidade após tratamentos gonadotóxicos [como a quimioterapia e a radioterapia, que têm efeitos prejudiciais diretos sobre as gônadas (ovários e testículos)].
A quimioterapia afeta células que se dividem rapidamente — incluindo as reprodutivas —, enquanto a radioterapia pode comprometer diretamente o DNA, impactando a função sexual e reprodutiva.
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Fertilidade em homens
Nos homens que já passaram pela puberdade, a principal ferramenta de preservação de fertilidade é a criopreservação de sêmen, a qual é feita a coleta de uma ou mais amostras, além de uma análise no laboratório e o congelamento para uso futuro.
Caso a coleta não seja possível por ausência de espermatozóides na amostra, a Onco-TESE, que se trata de uma pequena cirurgia para extrair esses espermatozóides, pode ser uma alternativa.
No caso de meninos que ainda não chegaram na puberdade, existe a criopreservação de tecido testicular, uma técnica promissora ainda em fase experimental, mas que pode representar um avanço considerável na preservação da fertilidade desses pacientes, mesmo antes do tema ser importante para eles. No entanto, embora inovadora, a técnica ainda enfrenta desafios de acesso.
Fertilidade em mulheres
Já para as mulheres, o cenário é mais complexo. Pacientes em idade fértil podem recorrer ao congelamento de óvulos ou embriões, à criopreservação de tecido ovariano e, em casos de radioterapia pélvica, à transposição ovariana.
Já as mais jovens, fora do período reprodutivo, têm opções mais limitadas: o congelamento de gônadas pode ser avaliado, embora ainda pouco acessível. Mas, a grande questão é que mesmo tendo tantas opções, além do acesso ser mais restrito, ainda não são indicadas para todas as pacientes. As mulheres mais jovens, fora do período reprodutivo, não possuem muitas alternativas.
Outra frente de pesquisa é a farmacoproteção, que busca desenvolver medicamentos capazes de proteger os ovários durante o tratamento. Diversas moléculas estão em estudo com o objetivo de preservar as células reprodutivas e ampliar as alternativas de preservação de fertilidade desde o início da jornada oncológica.
Importância da informação e do cuidado integral
Mas tão importante quanto o avanço técnico é quebrar tabus e ampliar a informação. A oncofertilidade segue acontecendo apenas entre especialistas, e precisa fazer parte do cuidado 360º, que inclui paciente, família e equipe multiprofissional. Falar abertamente sobre os riscos e apresentar as opções disponíveis permite decisões conscientes e compartilhadas.
O primeiro passo é discutir os riscos de forma aberta, apresentar as opções disponíveis, fortalecendo o acesso à informação para que possam tomar decisões conscientes do panorama completo, além de preparar os profissionais e conscientizá-los da importância de encaminhar seus pacientes a especialistas na área, caso necessário.
Sigo otimista que o diálogo que abrimos com o último Simpósio de Oncofertilidade e Oncosexualidade realizado para profissionais do mundo todo no A.C.Camargo Cancer Center, foi o início de um caminho promissor para desenvolvermos protocolos ainda mais completos de preservação de fertilidade em pacientes oncológicos no Brasil.
*Felipe Glina, urologista responsável pelo Ambulatório de OncoFertilidade e OncoSexualidade Masculina do A.C.Camargo Câncer Center