O que é, o que é? De manhã tem quatro patas, de tarde tem duas e de noite tem três. Sim, o ser humano! A charada é das antigas, mas, para quem não a conhece, explicamos: na infância, engatinhamos; na vida adulta, nos firmamos sobre nossos pés; até que, na velhice, provavelmente vamos acabar precisando de um apoio (como uma bengala) para nos equilibrar.

É a ideia de que, mais cedo ou mais tarde, nosso corpo não será mais o mesmo e passaremos a enfrentar dificuldades para realizar tarefas simples, como caminhar, levantar da cama, agachar para pegar um objeto e reagir a quedas.

É certo que nem todo mundo vai passar por isso — quem se mantém ativo poderá driblar as dores e assegurar a robustez, a flexibilidade e a agilidade para se virar nos trinta. Mas milhões de pessoas ao redor do planeta passam a conviver com um incômodo comum ao envelhecimento que está por trás de todos esses problemas: a osteoartrite. Para os íntimos, a artrose.

Nesta matéria, você lerá sobre:

  • A artrose é normal da idade?
  • O papel do nossos genes
  • O movimento é o melhor remédio
  • Quais tratamentos valem a pena?
  • Dicas para aliviar o dor

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A artrose é normal da idade?

Segundo estimativa publicada no periódico The Lancet Rheumatology, cerca de 595 milhões de pessoas conviviam com a doença em 2020 — um crescimento de 132% em relação a 1990. E não vai parar por aí. Até a metade do século, o contingente deve se aproximar de 1 bilhão.

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Entre as principais razões estão o aumento da expectativa de vida populacional e a maior exposição a fatores de risco como sedentarismo e obesidade. Nas salas de espera de reumatologistas e ortopedistas, fazem fila anônimos, celebridades, atletas e políticos.

O presidente Lula convivia com fortes dores causadas por desgastes na articulação do quadril. Em 2023, passou por uma cirurgia para colocar prótese no lado direito. A ex-jogadora de basquete Magic Paula também teve que encarar o bisturi por problemas nos joelhos, fruto de três décadas de lesões constantes.

Na Inglaterra, o ator Robbie Coltrane, famoso por interpretar o meio-gigante Hagrid na saga Harry Potter, chegou a ser visto em cadeira de rodas por causa do sofrimento articular antes de falecer, em 2022. Já a cantora inglesa Zoe Birkett, de apenas 40 anos, também enfrenta a chateação e fala abertamente sobre isso nas redes.

A osteoartrite é conhecida por ser uma doença da velhice, mas, na verdade, ela pode aparecer em qualquer idade, frente a uma série de fatores genéticos, histórico de fraturas, excesso de peso, falta de fortalecimento muscular e articular”, lista a médica Fânia Cristina dos Santos, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), três a cada quatro pacientes têm 55 anos ou mais e seis a cada dez são mulheres. “Na população feminina, ainda há o risco causado pela queda dos hormônios após a menopausa”, acrescenta a geriatra.

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O quadro costuma começar com dores, rangidos e estalos nas articulações, além de rigidez e inchaço. Também pode levar a deformidade nas juntas, dificultando ainda mais a mobilidade e a execução de tarefas.

Joelhos, quadris, coluna e mãos são as regiões mais afetadas. O paciente pode ter apenas uma articulação comprometida ou várias. E, quanto mais complexo e disseminado o quadro, maior o papel da genética. É o que conclui um estudo publicado na revista científica Nature.

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Partes do corpo que mais sofrem de artrose (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral | Fotos: we are e uchar/Getty Images)

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O papel do nossos genes

Ao avaliarem o DNA de quase 2 milhões de indivíduos, comparando aqueles que têm artrose com pessoas saudáveis, cientistas britânicos encontraram 962 variantes genéticas relacionadas à condição — mais da metade inéditas.

Conhecer como os genes influenciam o desgaste das articulações ajuda os cientistas a se aprofundar sobre as causas desse processo degradativo.

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“Hoje, entendemos que a osteoartrite é desencadeada por inflamações da cartilagem, dos tendões, dos ligamentos e até da musculatura próxima às articulações — e frear essa inflamação é tão importante quanto aliviar a dor dos pacientes”, afirma a ortopedista Camila Cohen Kaleka, membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).

O que tranquiliza saber é que dá para controlar o avanço dos sintomas e recuperar a qualidade de vida. E a chave para o sucesso do tratamento não depende só de pílulas e cirurgias.

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A osteoartrite pode atingir os dedos da mão e dificultar ainda mais as atividades diárias (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral | Fotos: we are e uchar/Veja Saúde)

O movimento é o melhor remédio

Diante da dor, nosso primeiro instinto é recorrer a algum comprimido. Afinal, eles agem rápido e muitos são vendidos sem nenhuma necessidade de prescrição. Porém, nem toda solução vem encapsulada.

Vivemos em uma sociedade muito imediatista e em que as pessoas não conseguem parar de trabalhar para, de fato, cuidar da saúde e repensar seus hábitos”, reflete o educador físico Clarcson Plácido Conceição dos Santos, professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). “Nesse contexto, as saídas tendem a ser muito pontuais.”

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O problema é que, para condições crônicas como a osteoartrite, o tratamento precisa ser planejado a longo prazo. É necessário reformular a rotina e incluir na agenda não apenas o horário para tomar as medicações como também cavar tempo para colocar o corpo em movimento.

Afinal, a dor pode até desaparecer por um tempo com a ajuda de analgésicos e anti-inflamatórios, mas a mobilidade não é recuperada sem sacudir o esqueleto.

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A atividade física é um dos pilares do controle da osteoartrite — o que mais recebe atenção nas novas diretrizes de tratamento não medicamentoso elaboradas pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

Anunciado no último congresso nacional da especialidade, o documento reúne as evidências mais recentes sobre o que funciona ou não para lidar com a doença.

“Distinguir isso ajuda os pacientes a atingirem melhores resultados, a adquirirem novos hábitos e a concentrarem tempo e recursos com o que realmente os fará melhorar”, afirma o reumatologista Francisco Rocha, coordenador da comissão de osteoartrite da SBR e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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A osteoartrite não é um doença que aparece em qualquer idade e pode acometer joelhos, quadris, coluna e mãos (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral | Fotos: we are e uchar/Getty Images)

Quais tratamentos valem a pena?

A artrose é, afinal, um quadro que envolve muitas despesas — de gastos médicos aos custos com a adaptação dos ambientes para evitar quedas e calçados para prevenir o impacto sobre as articulações. Sem contar a perda de produtividade causada pelas limitações impostas.

Não há cálculos brasileiros, mas, nos Estados Unidos, estima-se que o custo anual da doença some mais de 130 bilhões de dólares.

Para um tratamento mais eficiente, as novas diretrizes se baseiam na análise de 38 estudos clínicos, selecionados de um universo de mais de 10 mil artigos sobre o tema.

“São pesquisas bem desenhadas, com um número robusto de participantes e que puderam demonstrar o que de fato faz diferença ou não no tratamento da doença — sem o uso de medicações”, explica Ricardo Fuller, membro da comissão de osteoartrite da SBR e chefe do ambulatório de reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), responsável por apresentar a diretriz no congresso em Salvador.

O guia ressalta a importância da atividade física, as principais recomendações para o uso de acessórios para os pacientes e a urgência de combater desinformações sobre a doença.

“Pelo convívio constante e debilitante com a dor, muitas pessoas partem para soluções que parecem mágicas, mas que não entregam o efeito esperado e ainda prejudicam a saúde, seja por causarem efeitos adversos, seja por distanciarem o paciente do tratamento adequado”, alerta o reumatologista Ibsen Bellini Coimbra, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos autores do trabalho.

Não à toa, em outubro passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou o recolhimento de uma série de suplementos vendidos por promessas de melhorar a artrose — sem garantia de efeito nenhum!

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O que realmente funciona ou não no tratamento da osteoartrite (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

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Dicas para aliviar o dor

Para ser ainda mais assertivo no tratamento e no bolso, os médicos esclarecem que, para quem tem osteoartrite nos joelhos, nos quadris ou na coluna, não é preciso gastar rios de dinheiro com tênis de marca.

Se você quer garantir conforto e segurança, o calçado precisa ter estas três características: um solado flexível e amortecedor, um ponto de fixação na parte da frente e outro na parte de trás.

Não tem de ser necessariamente fechado, o que é uma boa notícia para enfrentar dias quentes. O importante é diminuir ao máximo o risco de tropeços virarem quedas e gerarem fraturas que irão custar a mobilidade e a autonomia de pacientes de maior idade, que passarão a depender da família.

As novas diretrizes também recomendam o uso de palmilhas, a depender das características da artrose no joelho de cada pessoa — aqueles que têm osteoartrite de compartimento lateral, por exemplo, podem se beneficiar das que têm apoio na parte mais central do pé.

Órteses podem ser indicadas para estabilizar lesões, mas apresentam a desvantagem de restringir a mobilidade e devem ser prescritas após orientação e alinhamento entre médico e paciente.

A respeito da atividade física, não é necessário ficar restrito a caminhadas e hidroginástica. “Na verdade, todo exercício é bem-vindo, desde que feito da maneira correta, com regularidade e acompanhamento profissional. Assim conseguimos observar os resultados”, resume Fuller.

No documento, os autores recomendam que o indivíduo receba uma espécie de “cardápio” de atividades para ir variando e desenvolvendo diferentes habilidades, como força muscular e flexibilidade. Em uma sessão multiprofissional do congresso, fisioterapeutas e educadores físicos ressaltaram o papel de suas áreas na prescrição da atividade física, um pilar para o sucesso do tratamento da osteoartrite.

“Há muitos mitos sobre o que funciona ou não para o alívio da dor e recuperação da mobilidade”, ressalta Fábio Luciano Arcanjo de Jesus, fisioterapeuta e doutor pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“Muitos pacientes chegam com dores na coluna e pensam que só podem fazer exercícios de alongamento, mas, na verdade, é preciso trabalhar o fortalecimento da região. E isso envolve respeitar os limites do indivíduo e, ao mesmo tempo, mostrar do que ele é capaz.”

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Para o educador físico Clarcson Plácido, o segredo para ajudar as pessoas a superar a cinesiofobia, ou o medo de se exercitar por temer sentir dor ou piorar uma lesão, é o afeto.

“Elas têm que gostar daquilo que estão fazendo, e é preciso dar à população a oportunidade de ter contato com os profissionais de saúde especializados no movimento, porque somos nós que as ajudaremos a encontrar a atividade ideal e a progredir no tratamento, avaliando fatores como frequência e intensidade”, afirma o professor baiano.

Equilíbrio, coordenação, consciência corporal, diminuição da dor e da inflamação formam um combo de vantagens que só a atividade física é capaz de promover em sinergia. Unindo o movimento com a medicação correta, é possível recuperar a qualidade de vida.

E, para casos mais graves, há ainda as opções cirúrgicas — mas, mesmo com a prótese, o paciente vai ter de mexer o corpo para evitar novas complicações.

“Estudos com terapias regenerativas, que poderiam ‘curar’ a área lesionada, têm avançado, mas ainda estão longe de chegar às clínicas”, avalia Kaleka. Até lá, o exercício seguirá como a melhor estratégia para se libertar das amarras da artrose. 

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Dicas para incluir a atividade física no dia a dia (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

 

Texto: Larissa Beani | Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral | Fotos: we are e uchar/Getty Images 

 

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