
A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou nesta segunda-feira, 1º de dezembro, uma diretriz inédita sobre o uso de terapias antiobesidade como liraglutida, semaglutida e tirzepatida para o tratamento da obesidade em adultos.
A publicação, apresentada hoje no Journal of the American Medical Association (JAMA), representa um marco histórico na abordagem global da doença e formaliza o papel destes medicamentos em estratégias de tratamento de longo prazo.
Trata-se de uma inflexão significativa na forma como governos, sistemas de saúde e sociedades devem enfrentar uma condição que já afeta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo.
A obesidade, reconhecida pela OMS como uma doença crônica e recidivante, está associada a 3,7 milhões de mortes por ano — o equivalente a 12% de todos os óbitos relacionados a doenças crônicas não transmissíveis. O impacto econômico também avança em ritmo acelerado: estimativas internacionais projetam custos globais superiores a US$ 3 trilhões anuais até 2030.
Em países com altas taxas de prevalência, até 18% do orçamento de saúde pode ser consumido por condições vinculadas ao excesso de peso.
Nova diretriz orienta uso prolongado e combinado de medicamentos
Diante desse cenário, a diretriz da OMS estabelece duas recomendações centrais. A primeira orienta o uso prolongado de antiobesidade, definindo “longo prazo” como seis meses ou mais, em adultos vivendo com obesidade.
Mas cá para nós: 6 meses ainda é pouco, tendo em vista últimos estudos publicados, mostrando que mesmo após 9 meses de tratamemto com semaglutida na maior dose, 2,4 mg por semana e tirzepatida na dose de 15mg por semana o reganho de peso é inevitável.
A segunda recomendação é a de que esses medicamentos sejam sempre combinados com terapia comportamental intensiva, incluindo metas estruturadas de alimentação, atividade física e acompanhamento regular.
As duas recomendações, classificadas como condicionais, refletem a eficácia comprovada das terapias baseadas em GLP-1, mas também os desafios globais relacionados a custo, acesso, equidade e capacidade operacional dos sistemas de saúde.
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GLP-1 entram na lista de medicamentos essenciais da OMS
Um ponto de destaque da publicação é a inclusão dos GLP-1 na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS para adultos com obesidade e risco cardiometabólico elevado.
A decisão coloca um holofote sobre a necessidade de ampliar a produção global, reduzir custos e criar mecanismos internacionais de acesso — uma vez que, atualmente, a capacidade produtiva das indústrias atenderia menos de 10% das pessoas que vivem com obesidade no mundo.
A OMS sugere caminhos como:
- Acordos de licenciamento;
- Fabricação local;
- Ampliação de concorrência;
- Estratégias de precificação diferenciada.
Medicamentos não substituem políticas públicas
Os medicamentos representam um avanço expressivo, mas não substituem intervenções estruturais.
Embora reconheça o impacto dos medicamentos, a diretriz afirma que o enfrentamento da obesidade exige um ecossistema de políticas integrado, que englobe prevenção, educação, ambientes alimentares mais saudáveis, regulação de ultraprocessados, infraestrutura urbana adequada e fortalecimento da atenção primária.
Brasil recebe um alerta
A publicação do JAMA traz um alerta implícito para o Brasil. Com prevalências crescentes de obesidade e sobrepeso em todas as faixas etárias, o país enfrenta impactos significativos no SUS e na economia.
Diante da diretriz divulgada hoje, acreditamos que já passou o momento de apresentar uma política de Estado robusta e permanente para o enfrentamento da obesidade — uma política que transcenda ciclos de governo, seja intersetorial e baseada em evidências. Mas nunca é tarde para se iniciar.
E há um consenso entre pesquisadores e organizações de saúde: política de Estado para obesidade não se resume a disponibilizar Mounjaro ou Ozempic. Isso representa apenas uma parte do problema — e não a solução completa.
O país acumula expertise técnica, capacidade regulatória e histórico de protagonismo em políticas de saúde pública como a anti-tabagismo, no combate ao HIV, pré-natal etc. No entanto, ainda não dispõe de uma estratégia nacional consistente que acompanhe a nova realidade científica das doenças ligadas ao excesso de peso.
A diretriz da OMS — publicada hoje — é um chamado global. E, para o Brasil, um lembrete urgente de que o tempo de planejamento passou: agora é o momento de agir.
A questão é se o Brasil estará na linha de frente desse movimento ou seguirá assistindo à distância a maior transformação do século no combate à obesidade.
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