“Eu não sei onde isso vai dar”, disse ela no início da sessão de análise. Parecia uma referência ao assunto que pretendia trazer, mas, como normalmente acontece, o que ela falava era de uma angústia. E angústia é algo que não precisa de licença para aparecer, nem pode ser disfarçada.

A angústia de “não saber onde isso ia dar” era apresentada em plano contínuo, como na série Adolescência, sucesso absoluto na Netflix.

Os problemas que a capturaram na tela refletiam os próprios, da sua vida, do seu filho de doze anos e do sentimento de impotência que a série havia despertado diante de tantas questões que foram levantadas.

Questões que, assim como aconteceu com ela, mobilizaram as pessoas intensamente. Tornaram-se parte do debate público, dos grupos de pais no Whatsapp, das comunidades de amigos e familiares que precisam lidar diretamente com os temas que Adolescência foi capaz de mobilizar tão bem.

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A culpa e a desorientação dos pais na cena de encerramento da série refletem a grande pergunta que se faz diante dos riscos de criar um filho. Como se faz? O que é certo? O que é errado? E, claro, como evitar que a ficção se repita na realidade?

Acredito que grande parte do impacto da série se dá por ela ter colocado diante de todos a realidade de que não há um manual, não há uma certeza. De que, apesar de querermos e desejarmos o melhor para nossos filhos, não estamos no controle absoluto, não temos como garantir totalmente sua segurança, seu futuro.

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Aceitar o imponderável pode ser difícil para qualquer um. Mas aceitar o imponderável na vida dos nossos filhos pode ser mais difícil ainda.

Isso não quer dizer, é claro, que não há nada a ser feito.

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Os pais atuais e a culpa

Nasce uma mãe, nasce uma culpa, segundo um dito popular desatento ao alerta de Freud.

Para o grande psicanalista, governar, educar e psicanalisar seriam ofícios impossíveis. Ou seja, o desbravamento da experiência da parentalidade está marcado pela condição de uma certa impossibilidade.

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É uma experiência que não assegura um resultado “x” ou “y”, que confronta os pais com a sua própria impotência, com surpresas e culpas inevitáveis, em maior ou menor grau. Por mais e melhor que os pais se esforcem por fazer, algo sempre sairá do “controle”, do “esperado”. Estamos no domínio do imponderável.

E esse sentimento de culpa e de desamparo diante da criação dos filhos encontra-se agravado por uma questão do nosso tempo: o individualismo.

Os pais de antes, que usavam da força e da violência contra crianças, ainda que completamente equivocados em seus métodos, contavam com a (também equivocada) certeza de que sabiam o que estavam fazendo.

Uma certeza lastreada por referências coletivas, comunitárias, menos livres e mais rígidas, que os protegiam de certas dimensões de culpa e angústia que estão mais presentes na atualidade e que vemos em Adolescência.

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Na série, o pai do garoto, buscando refúgio em suas qualidades (que são reais), reafirma sua decisão de não repetir o tipo de educação que ele havia recebido de seu pai, marcadamente violenta e fisicamente agressiva: “Nunca bati em meus filhos”.

Assim como ele, a atual geração de pais (ou pelo menos a maior parte dela) acertadamente abandonou a violência como forma de educação dos filhos. Mas, por outro lado, enfrenta uma vulnerabilidade maior em face ao individualismo que marca a nossa subjetividade contemporânea.

As referências coletivas foram substituídas pelo individualismo também na forma de criar os filhos. E, como consequência, o medo de errar e a culpa ganharam outra gravidade ao se abater exclusivamente sobre os indivíduos pais e mães.

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Liberdade ou segurança?

O sociólogo Zygmunt Bauman lembrava Freud ao apontar que no mal-estar da pós-modernidade reside uma inversão em relação ao binômio liberdade-segurança.

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Enquanto a modernidade era marcada pela falta de liberdade e pelo excesso de segurança, o mundo atual se apresenta como muito inseguro, porém livre como jamais se pensou.

Mas a liberdade também cobra um preço. Hoje, se não contamos com a segurança dos tempos dos nossos pais e avós, também não pagamos o preço da repressão que ela traz: seremos sempre melhores por não batermos em nossas crianças.

Ao mesmo tempo, em nossa liberdade, podemos escolher as nossas metodologias, visões e filosofias de educação dos nossos filhos. Mas tudo indica que o convívio com o imponderável é mais angustiante de ser vivido neste mundo em que o tecido das referências comunitárias ficou por demais esgarçado.

Enquanto não buscarmos soluções coletivas para um problema que é de todos nós, transitaremos solitários no angustiante limite entre fazer o melhor possível e, mesmo assim, não saber onde isso vai dar.

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