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A ASMD, sigla para deficiência de esfingomielinase ácida, está deixando de ser uma doença invisível. Por muito tempo, crianças e adultos conviveram com sintomas inespecíficos, múltiplas consultas e pouca resposta clínica.
Hoje, esse cenário começa a mudar. Novos dados epidemiológicos, avanços diagnósticos e terapias emergentes colocam a ASMD no centro das discussões sobre doenças raras.
A condição faz parte do grupo das doenças lisossômicas e ocorre quando alterações genéticas comprometem a atividade da enzima esfingomielinase ácida. Esse defeito leva ao acúmulo de lipídios em órgãos como fígado, baço, pulmões e sistema hematológico, causando um conjunto amplo de manifestações clínicas.
O espectro clínico inclui desde formas infantis graves, com deterioração neurológica acelerada, até apresentações mais brandas, sem comprometimento do sistema nervoso. A diversidade de sintomas explica por que tantos casos são subdiagnosticados no mundo e por que a doença costuma exigir uma abordagem especializada e multidisciplinar.
O que mudou no diagnóstico da ASMD
Com a expansão dos testes genéticos e a disponibilidade de painéis multigênicos, tornou-se possível identificar a ASMD com muito mais precisão. Testes enzimáticos, sequenciamento de nova geração e integração de dados clínicos e radiológicos tornaram o diagnóstico mais rápido e assertivo. Para muitas famílias, isso representa uma virada histórica.
Hoje, recomenda-se que todo paciente com aumento persistente de fígado ou baço, alterações hematológicas ou doença pulmonar intersticial seja avaliado para ASMD. A suspeita é especialmente importante nas formas B e A/B, que podem se manifestar de maneira discreta e prolongada.
A genética na compreensão da doença
A genética permitiu entender por que pacientes com ASMD podem ter trajetórias tão diferentes. Mutações distintas determinam a gravidade do quadro, o ritmo de progressão e até o impacto nos órgãos acometidos.
Em 2025, uma metanálise internacional liderada por pesquisadores brasileiros avaliou os efeitos clínicos da principal terapia aprovada para a doença, a olipudase alfa. Registrada no PROSPERO e publicada em base científica internacional, a revisão reuniu estudos clínicos com pacientes tratados com reposição enzimática.
Os resultados mostraram benefícios expressivos: aumento médio de 34,6% da capacidade pulmonar, redução de 37,7% no volume hepático e diminuição de 49,4% no volume esplênico após dois anos de tratamento. Esses números reforçam que a ASMD entra oficialmente na era das terapias modificadoras de doença.
Avanços científicos e riscos de interpretações equivocadas
Assim como ocorre em outras doenças raras, a falta de informação adequada pode atrasar o diagnóstico. A ASMD pode se confundir com doenças hepáticas, respiratórias ou hematológicas comuns, o que reforça a necessidade de capacitação profissional e acesso a exames especializados.
Ao mesmo tempo, é fundamental evitar interpretações simplistas sobre o aumento recente de diagnósticos. O que se observa é maior acesso a testes e maior conscientização médica, e não um aumento real na incidência.
O que esperar daqui para frente
O futuro da ASMD envolve genética, bioquímica e terapias avançadas. Estudos investigam combinações terapêuticas, novos biomarcadores, modelagem molecular e abordagens de terapia gênica. A inteligência artificial também deve acelerar a interpretação de variantes e auxiliar na predição de evolução clínica.
No Brasil, o desafio será ampliar o acesso ao diagnóstico precoce, garantir centros especializados e incluir terapias de alto custo nas políticas públicas voltadas às doenças raras.
Mais do que diagnósticos, histórias
Falar de ASMD é falar de famílias que buscam respostas e de pacientes que finalmente encontram possibilidades terapêuticas concretas. O avanço científico representa mais do que números: significa qualidade de vida e esperança.
- A genética é central para compreender a ASMD e orientar condutas;
- A terapia de reposição enzimática inaugura uma nova era no tratamento;
- A informação correta é decisiva para reduzir atrasos diagnósticos e desigualdades de acesso;
- O progresso científico deve ser acompanhado de políticas públicas que garantam cuidado integral para todos os pacientes.
*Paulo Victor Zattar Ribeiro é médico geneticista, fellow em Oncogenética pela USP-Ribeirão Preto e fundador do podcast Pod Raros. Atua nas áreas de genética clínica, aconselhamento reprodutivo e prevenção no contexto de câncer hereditário.
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