Há 10 anos, o empresário Fernando Goldsztein recebeu uma difícil notícia dos médicos: seu filho, Frederico, então com nove anos, tinha um câncer cerebral.
Doença rara, o meduloblastoma é um tumor maligno que atinge o sistema nervoso central e causa sintomas como fortes dores de cabeça, desequilíbrio, tontura, náuseas e vômitos. Os desafios vão do diagnóstico ao tratamento, cujas opções ainda são limitadas.
A família foi aos Estados Unidos em busca de terapias experimentais. Há uma década, Frederico tem manejado a doença com sucesso, enquanto Fernando trabalha para que mais famílias tenham acesso a tratamentos de ponta.
Em 2021, o empresário criou o consórcio The Medulloblastoma Iniciative (MBI), que reúne cientistas do mundo todo com o objetivo de angariar recursos para ensaios clínicos de novas terapias contra o meduloblastoma.
Desde então, a iniciativa já arrecadou US$ 11 milhões e teve duas pesquisas aprovadas pela FDA, o órgão que regula medicamentos nos EUA. São 16 laboratórios e hospitais integrados à missão no mundo todo.
“Nos Estados Unidos, os médicos disseram que não havia nada a ser feito no caso de Frederico, mas eu encontrei quem acreditasse que deveríamos investir em estudos clínicos para tratamentos inovadores contra o meduloblastoma”, conta Fernando Goldsztein. “Mais de 100 famílias já entraram em contato e foram impactadas pelo projeto.”
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Em boa companhia
Nessa caminhada, o principal parceiro científico tem sido o oncologista pediátrico Roger Packer, diretor do Instituto Gilbert de Neurofibromatose e do Instituto de Tumores Cerebrais do Hospital Nacional das Crianças, em Washington, nos EUA.
Packer é o criador protocolo de tratamento do meduloblastoma e um dos maiores especialistas em cânceres cerebrais e infantis do mundo. Ele já orientou de grandes médicos brasileiros, como Sidnei Epelman, fundador da Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer (Tucca) e oncologista pediátrico da Oncoclínicas.
“Hoje, até 80% das crianças diagnosticadas com meduloblastoma são curadas com os medicamentos disponíveis. No entanto, para aquelas que resistem às terapias ou cujo tumor volta a crescer, as opções são limitadas e precisamos estudar novas alternativas”, afirma o médico americano.
Na última semana, Fernando e Packer se encontraram no Brasil para firmar o primeiro acordo do consórcio com uma instituição nacional. O Einstein Hospital Israelita assinou um memorando de entendimentos com a MBI na última quarta-feira (5).
O documento prevê colaborações científicas, compartilhamento de conhecimentos e participação prioritária em futuros ensaios clínicos desenvolvidos pelo consórcio. Assim, o hospital se torna uma “instituição amiga” da organização sem fins lucrativos.
“Graças aos esforços de Fernando e seus colegas, poderemos oferecer aos pacientes brasileiros a oportunidade de ter acesso a tratamento experimentais dentro de estudos clínicos“, agradece Luiz Vicente Rizzo, imunologista e diretor de pesquisa do Einstein Hospital Israelita. “Uniremos a nossa expertise com a de instituições de diferentes países e realidades”.

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O futuro do tratamento
As principais apostas para o futuro do tratamento de casos de recidiva do meduloblastoma são as imunoterapias.
“O verdadeiro avanço visto em laboratórios — e, agora, em humanos — é o de despertar o próprio sistema imunológico contra o tumor — o que levou à aprovação em tempo recorde de dois ensaios clínicos pelo MBI”, explica Packer.
Em média, demora-se de 7 a 10 anos para receber aprovação de um estudo como esse, mas, com a mobilização e a expertise que o consórcio reuniu, o aval chegou seis meses após a criação da iniciativa.
“Procuramos juntar pessoas de todo o país [EUA] com diferentes abordagens e pedimos que não sejam competitivas, mas sim sinérgicas, e assim, aproveitamos as melhores ideias e as desenvolvemos. Isso é pesquisa clínica“, ressalta o oncologista. “E agora um hospital brasileiro faz parte da rede e pode também contribuir com sua experiência e excelência nesse campo.”
Não há previsão de quando os ensaios clínicos começarão no país, mas entre as abordagens com potencial para serem testadas estão uma vacina personalizada de RNA para pacientes com a doença e o uso de células imunes modificadas, chamadas CAR-T.
“A vacina não é como as que estamos habituados a lidar, que previnem uma certa doença”, esclarece Fernando. “São medicamentos para quem já tem a doença e estimulam o sistema imunológico a reconhecer uma das proteínas presentes no tumor”.
Já as células CAR-T são células do sistema imune reprogramadas em laboratório e devolvidas ao paciente para que também persigam e destruam as células tumorais. A tecnologia já é bastante utilizada para o tratamento de cânceres sanguíneos, como leucemias e linfomas, e agora começa a ser explorada para tumores sólidos.
“São tecidos que as células T não costumam atacar, então, há mais desafios em direcionar o trabalho desses agentes para tecidos como o cérebro — além de que devemos ficar atentos aos efeito adversos que o tratamento pode causar”, pondera Packer.
Com esforços de equipes em todo mundo, os familiares e especialistas esperam dar, em breve, boas notícias às crianças e adolescentes que enfrentam o retorno da doença.
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