Há 30 anos, chegavam às livrarias os primeiros exemplares de um livro que revolucionaria a nossa compreensão sobre a inteligência humana.
Escrito pelo psicólogo e jornalista americano Daniel Goleman, Inteligência Emocional (clique aqui para comprar) mostrou que, para tomar boas decisões e ser bem-sucedido, não basta ter razão — é preciso agir com o coração também.
“Temos de gerenciar bem as emoções e manter o foco nos objetivos que importam”, aconselha o autor, que virou um best-seller. Segundo Goleman, as emoções são contagiosas — assim como as ideias de suas obras.
O sucesso do seu primeiro título foi tamanho que permaneceu na lista dos mais vendidos do The New York Times por um ano e meio. O livro foi sucedido por uma série de outros títulos que abordam de saúde mental nos negócios a meditação.
Em entrevista exclusiva a VEJA SAÚDE, o expert fala sobre seu livro mais recente publicado no Brasil, Inteligência Emocional e Liderança (Objetiva – clique aqui para comprar), e reflete sobre relacionamentos e equilíbrio emocional na era das redes e da IA.
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VEJA SAÚDE: Seu livro Inteligência Emocional colocou esse termo no dicionário de qualquer pessoa interessada em psicologia e mesmo no mercado de trabalho. Como o senhor encontrou esse conceito?
Daniel Goleman: Eu era um jornalista científico no The New York Times e estava escrevendo um livro sobre o cérebro e as emoções. Nessa época, li um artigo chamado Inteligência Emocional. Nunca tinha ouvido essa expressão antes.
Eu a achei realmente fascinante, pois sugere que podemos ser inteligentes em relação às nossas emoções. Debrucei-me sobre o assunto e o usei como título e estrutura para o meu livro.
Fiquei muito surpreso ao ver o enorme interesse que o tema despertava no setor educacional e no mundo dos negócios.
Continuei escrevendo e refletindo sobre esse tópico e, como também sou psicólogo, desenvolvi meu próprio modelo de inteligência emocional.
Quais são os fundamentos da inteligência emocional, segundo a sua concepção?
Na minha visão, a inteligência emocional tem quatro frentes. A primeira é a autoconsciência: saber reconhecer o que você está sentindo e como isso molda suas percepções, seus pensamentos e seus impulsos.
Depois de conhecer seus sentimentos, a questão é como gerenciá-los. Você consegue? Essa é a segunda parte: a autogestão. Isso significa manter sua raiva, seu medo e sua ansiedade sob controle para não atrapalhar o que você precisa fazer. Mas também manter o otimismo, a adaptabilidade e o foco nos objetivos que são importantes para você, apesar das distrações do dia a dia.
O terceiro elemento é a empatia — e existem três tipos dela, cada um baseado em uma parte diferente do nosso cérebro. A empatia cognitiva, por exemplo, consiste em entender como as pessoas pensam — e a inteligência artificial é realmente boa nisso.
A segunda é a empatia emocional, isto é, perceber como a outra pessoa está se sentindo e como devemos reagir a partir disso. O terceiro tipo de empatia é a preocupação. É como o amor de um pai por um filho: se importar com a outra pessoa.
Já a peça final da inteligência emocional, a quarta frente, é o relacionamento. A partir do momento em que você domina todas essas habilidades, como você se relaciona com os outros?
No trabalho, isso pode significar orientar, guiar ou inspirar pessoas. E, de forma geral, na vida, significa saber conviver bem.
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No seu último título publicado no Brasil, Inteligência Emocional e Liderança, o senhor enfatiza o papel dessas habilidades no ambiente de trabalho. Quão difícil é criar um líder com essas características hoje em dia?
Bem, em primeiro lugar, o líder precisa liderar a si mesmo. Isso significa ter autoconhecimento e gerenciar bem as próprias emoções. Se um líder fica muito bravo com alguém, isso acaba corroendo o relacionamento entre o chefe e os funcionários.
Portanto, é preciso gerenciar bem suas próprias emoções e manter o foco nos objetivos que importam. Ao mesmo tempo, é importante se adaptar aos desafios do dia a dia e manter o otimismo, porque as emoções são contagiosas — e se espalham da pessoa mais poderosa do grupo para o resto da equipe.
Há uma pesquisa da Escola de Administração da Universidade Yale [nos Estados Unidos] que mostra que, se o chefe está de mau humor, as pessoas absorvem esse estado de ânimo e o desempenho geral cai. Se o patrão está de bom humor, as pessoas também são contagiadas e a performance aumenta. Por isso, faz realmente diferença, mesmo que essa questão seja um tanto invisível.
É possível aprender essas habilidades? O que o nosso cérebro ganha com isso?
A capacidade de gerenciar emoções de forma eficaz, de se adaptar a uma nova situação, de ter empatia e de inspirar pessoas é característica daqueles que têm um alto desempenho na vida — e todas essas habilidades podem ser aprendidas.
A principal chave para isso é o foco, que é a capacidade de direcionar a nossa atenção para o que importa no momento presente. Quanto mais você conseguir se concentrar, melhor será sua performance em qualquer atividade.
Na escola ou no trabalho, a habilidade de ignorar distrações é essencial.
E, hoje em dia, estamos mais dispersos do que nunca. O celular, por exemplo, é uma fonte terrível de desatenção. Tendemos a colocar tudo de que gostamos nele e temos acesso a isso imediatamente. Há um problema aí, e precisamos ser capazes de resistir a essa tentação.
O foco pode ser desenvolvido. Nos cursos e livros de inteligência emocional, apresentamos muitos exercícios para fortalecer a atenção.
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Como podemos retomar o controle sobre a nossa atenção?
Uma pesquisa realizada na Universidade Harvard [nos EUA] mostra que as pessoas se distraem do que estão fazendo em cerca de metade do tempo. No trabalho, esse número chega a 90%. As pessoas não se concentram realmente no trabalho. Elas estão pensando em outras coisas.
Então, a questão é: como evitar que a mente divague? O segredo é aprender a perceber quando devaneamos e, logo, trazer a consciência de volta para o presente. Isso se chama atenção plena. É como qualquer outra habilidade, sabe? Precisa ser exercitada!
Cada vez que você volta a se concentrar no que importa, o circuito neural responsável por isso se fortalece. Da mesma forma que um músculo, ele precisa ser exercitado para que cresça. E aprimorar sua capacidade de concentração também vai ajudar nos seus relacionamentos.
Isso significa que você estará mais presente para as outras pessoas na sua vida. Estar presente significa focar no que está acontecendo agora — no rosto da pessoa, na voz, no seu estado emocional. Isso irá ajudá-lo a responder adequadamente a cada situação e com mais empatia.
O senso de liderança é, hoje, muito valorizado nas empresas e nas redes sociais. Há espaço para tantos “líderes”? E o que a autoridade pode agregar à nossa vida fora do mercado de trabalho?
As habilidades de inteligência emocional que vemos em líderes excepcionais são as mesmas de um cônjuge, um amigo, pais ou filhos excepcionais. São competências pessoais, assim como são habilidades profissionais.
Quando falamos sobre gerenciar nossas próprias emoções ou ser empático, atencioso e se importar com a outra pessoa, isso ajuda no trabalho, mas também na vida como um todo, em relacionamentos de qualquer natureza.
E eu acho que os líderes, para quem está no mercado de trabalho, representam algo parecido com o que os pais são para os filhos: são modelos a seguir.
Então, se você vê alguém em posição de liderança que incorpora a inteligência emocional, isso se torna um exemplo do que é sucesso. Se você é uma criança e vê os seus pais sendo emocionalmente inteligentes, então entende que “isso é ser adulto”. Esse se torna o seu modelo a seguir.
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O velho modelo de liderança, que governa com base em medo, opressão e valores como a masculinidade, ainda tem seu lugar no mundo real. Por que esse padrão ainda é tão vigente e encontra espaço na sociedade?
O papel da empatia no ambiente de trabalho é frequentemente subestimado. Existe um paradoxo no qual algumas pessoas do mundo dos negócios presumem que, se você é empático, é fraco e cede demais. Por outro lado, as pesquisas mostram o oposto.
Elas revelam que, quanto mais empático e compreensivo o líder for, mais leais as pessoas serão. Quanto mais afinidade tiverem e mais confiarem nesse bastião, mais elas irão querer dar o seu melhor — e não o seu pior.
Então, a empatia em um líder compensa em termos de desempenho entre as outras pessoas. E lembre-se: a arte da liderança é fazer o trabalho bem-feito por meio dos outros, seu sucesso como líder depende deles.
Portanto, você não vai querer aliená-los, não vai querer que se sintam ressentidos. Você quer que eles sintam que podem confiar em você e que você se importa com todos.
Como essa forma de liderar pode ajudar a prevenir casos de esgotamento mental e assédio no ambiente de trabalho?
Em um estudo da Harvard Business School, centenas de pessoas mantiveram um diário sobre suas experiências profissionais. Elas identificaram uma espécie de estado ideal, no qual se sentiam energizadas, engajadas e felizes com o que faziam. E seu desempenho era muito bom naquilo. Esse estado é o oposto do da síndrome de burnout.
Quando uma pessoa está esgotada, ela se sente estressada o tempo todo e nunca tem a chance de se recuperar. Portanto, pessoas que estão vivendo um estado mais próximo do ideal em seu emprego têm menores riscos de ter burnout.
E os dados mostram também que elas têm menor probabilidade de pedir demissão. Assim, uma liderança que incentiva um estado ideal evita desgastes na saúde dos colaboradores e garante um ambiente no qual as pessoas querem trabalhar.
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De certa forma, é algo que também ajuda a dar um significado à vida e à carreira, não? Um sopro de esperança no mercado de trabalho…
Os líderes mais inspiradores são capazes de se conectar consigo mesmos, com o local de trabalho e o ofício que realizam. E isso é significativo.
O desafio é articular os negócios de maneira que todos os outros sintam o mesmo e se dediquem ao que estão fazendo. O engajamento faz com que nós queiramos e consigamos dar o nosso melhor.
Como podemos pegar essas lições, que estão sendo aplicadas no mercado de trabalho, e levá-las para casa? Como criar uma geração emocionalmente inteligente?
Em Singapura, eles estão muito avançados na implementação das chamadas escolas de aprendizagem socioemocional. São instituições que ensinam as crianças sobre os princípios básicos da inteligência emocional.
As atividades são adequadas à idade e o tema é abordado desde o início do processo de alfabetização até o ingresso na faculdade. As aulas são dadas de acordo com cada fase, aproveitando os desafios de cada idade para explorar diferentes habilidades da inteligência emocional. É um modelo de educação que pode ser adaptado a qualquer país e realidade, inclusive no Brasil.
É altamente recomendável que ensinemos aos jovens as competências de autoconsciência, autogestão, empatia e relacionamento. Assim, quando entrarem no mercado de trabalho, terão uma boa base e serão capazes de criar ambientes melhores e mais saudáveis.
Isso é pelo futuro de toda a humanidade mesmo.
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A inteligência emocional é uma peça-chave para a educação inclusiva? De que forma desenvolver habilidades socioemocionais beneficia estudantes neurodivergentes — no espectro autista, por exemplo?
Eu acredito que todos saem ganhando quando cada vez mais pessoas se tornam capazes de interpretar seus sentimentos e aprendem a manejá-los — e quanto mais cedo desenvolvermos essas competências, melhor.
A respeito da neurodiversidade, acredito que, no mercado de trabalho, líderes com um bom saldo de autoconsciência, autogestão e empatia são capazes de ver que pessoas neurodivergentes têm valor para a empresa e devem ter suas contribuições valorizadas.
Com um pé no futuro, na sua avaliação, como tem sido a convivência da nossa inteligência emocional com a inteligência artificial?
A inteligência artificial nunca substituirá a inteligência emocional. Houve um estudo que sugeriu que a inteligência artificial era melhor em inteligência emocional do que nós, seres humanos. Mas, na verdade, o teste avaliou o conhecimento de humanos e máquinas sobre inteligência emocional — e não se a pessoa ou a máquina são emocionalmente inteligentes.
A melhor forma de medir a inteligência emocional de alguém é por meio do Inventário de Competências Emocionais e Sociais (ICES). Ele é usado por equipes de recursos humanos, principalmente, para entender as habilidades de cada colaborador.
Mas, em resumo, as pessoas têm inteligência emocional; os computadores, não. A liderança, creio eu, sempre dependerá de como você, enquanto pessoa, gerencia outras pessoas.
Portanto, a IA não afetará esse tipo de trabalho de forma significativa — mas outras funções podem desaparecer por causa da tecnologia. E será necessário ter inteligência emocional para se adaptar a essa nova realidade.
Inteligência Emocional e Liderança, de Daniel Goleman
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