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Se você é uma pessoa buscando emagrecer, já deve ter se deparado com vídeos na internet sobre “Mounjaro genérico”, “Mounjaro manipulado” ou até “Mounjaro natural”.

O pano de fundo dessa confusão é a alta procura pelas “canetas emagredecedoras” usadas no tratamento do diabetes e da obesidade. Como esses remédios não são nada baratos, o interesse abriu espaço para versões alternativas que prometem os mesmos resultados por preços menores.

Em plataformas como o TikTok, é comum deparar-se com anúncios de cápsulas com nomes como “Monjacaps”, “Mounfit” ou “Fitjaro”. Todas garantem efeitos semelhantes aos do medicamento injetável desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, à base de tirzepatida.

Entram nessa seara as ampolas vindas do Paraguai, os medicamentos naturais, e os “genéricos” que se dizem idênticos ao original — ainda que, na prática, a história seja diferente. A seguir, entenda o que existe, o que é seguro e o que oferece riscos quando o assunto são opções similares e alternativas dessa medicação.

Existe Mounjaro genérico?

“O Mounjaro genérico não existe”, assegura Clayton Macedo, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Isso porque um genérico é a versão de um medicamento produzida por outra indústria após a quebra da patente de quem o criou (e somente após autorização legal).

No caso da tirzepatida (princípio ativo do Mounjaro), a patente ainda pertence à farmacêutica Eli Lilly. No Brasil, essa empresa seguirá sendo a única detentora dos direitos de produção do medicamento até meados de 2036.

É uma situação diferente da semaglutida, componente do Ozempic e do Wegovy, por exemplo. Mais antigos, a patente desses remédios, que pertence à empresa Novo Nordisk, poderá cair em março de 2026. A partir daí, indústrias habilitadas poderão produzir cópias.

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Resumo: “não há genéricos ou similares aprovados do Mounjaro, então qualquer produto vendido como tal é irregular, falso e perigoso, com risco de conter impurezas ou ser totalmente diferente do original”, reitera Macedo. Para adquirir essas medicações, é necessário receita médica e fontes confiáveis, como alertam especialistas e agências regulatórias.

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E o Mounjaro do Paraguai? É genérico?

O Mounjaro produzido no Paraguai não é um genérico — nem no sentido técnico, nem no legal. São produtos vendidos com outros nomes comerciais, como Lipoless e T.G., que afirmam conter tirzepatida, o mesmo princípio ativo do Mounjaro original, mas que não são aprovados no Brasil e não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Essa produção é possível porque o Paraguai tem uma legislação de patentes diferente da maioria dos países. Embora existam regras internacionais, cada região pode decidir como elas serão aplicadas e fiscalizadas.

Na prática, a lei paraguaia possui brechas que abriram espaço para que laboratórios locais produzissem versões próprias da tirzepatida. Assim, supostamente, são similares, mas não genéricos.

A questão é que, embora a fabricação seja legal no Paraguai, isso não torna o produto equivalente ao Mounjaro original e há muitas dúvidas quanto à sua segurança.

Onde mora o risco

O problema começa na própria fabricação. A tirzepatida é uma molécula polipeptídica altamente complexa, muito diferente de medicações mais simples, como dipirona ou ibuprofeno.

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Produzi-la exige tecnologia avançada e uma cadeia de fabricação bem monitorada, algo que, hoje, está concentrado em poucos centros no mundo. No caso do Paraguai, não há clareza sobre de onde vem o princípio ativo usado – já que, em tese, somente a Eli Lilly detém o insumo –; se ele segue padrões de boas práticas de fabricação; ou como são feitos os testes de pureza, estabilidade e dose.

Além disso, esses medicamentos não possuem registro na Anvisa e, portanto, não podem ser vendidos no Brasil. Isso significa que eles chegam aqui por rotas ilegais, sem fiscalização e sem garantia de transporte adequado.

Para piorar, como a tirzepatida é altamente sensível à temperatura, falhas na refrigeração, por exemplo, podem comprometer o efeito ou provocar reações adversas imprevisíveis. No caso de um produto contrabandeado, não há como garantir que ele chegou em condições seguras.

Existe remédio natural com efeito equivalente ao Mounjaro?

Nas redes sociais, muitos medicamentos são apresentados como similares da tirzepatida. Boa parte deles são suplementos ou compostos vendidos como versões naturais da substância. Mas isso é possível?

A resposta pode ser desanimadora. “Não existe produto natural, substância equivalente ou suplemento que tenha o efeito da tirzepatida”, diz Macedo. Ou a molécula, de fato, está presente na formulação ou o efeito não ocorre.

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Há também cápsulas sendo intituladas de “estimulantes do GLP-1”. A sigla representa um hormônio natural produzido no intestino após as refeições, que regula o açúcar no sangue e sinaliza saciedade ao cérebro.

Medicamentos como Ozempic e Mounjaro atuam “imitando” a ação do GLP-1, mas de forma muito mais potente, favorecendo o emagrecimento e controle da glicemia. Existiria, então, alguma forma de ativá-lo por outros meios?

“Se existisse, seria muito mais fácil a gente tomar um estimulante do que tomar o análogo do GLP-1”, comenta o biomédico José Donato Júnior, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), especialista em hormônios e eixos endócrinos

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Na realidade, qualquer refeição pode ativar a ação desse hormônio, já que ele é sempre produzido após a alimentação. A diferença é que as os análogos não apenas fingem ser o GLP-1 no nosso corpo, mas são uma versão “turbinada”.

“O fármaco tem uma alteração na estrutura molecular que aumenta a duração da ação do hormônio. Ele age como um análogo do GLP-1 e permanece mais tempo no organismo, porque é menos inativado pela enzima DPP-4 (Dipeptidil Peptidase-4), responsável por degradar o GLP-1”, explica Macedo.

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Em outras palavras, enquanto o hormônio natural dura muito pouco no nosso corpo, a substância agonista é mais resistente e passa muito tempo na corrente sanguínea.

E nunca foi descrita nenhuma outra substância natural que conseguisse simular esses efeitos”, aponta Donato. “Então, quando falamos em Mounjaro natural ou manipulado, estamos falando de químicos de origens desconhecidas e sem controle ou fiscalização”, completa.

Emagrecer não é sinônimo sucesso da medicação

Parte dos conteúdos enganosos sobre o assunto são relatos de pessoas que utilizaram medicamentos “similares” ao Mounjaro e perderam peso. Com isso, fica fácil de acreditar que estão fazendo o efeito esperado. O problema, dizem os especialistas, é saber por quais mecanismos estão promovendo esse resultado. E a que custo.

Donato relembra que medicamentos usados no passado para emagrecimento, como anfetaminas, análogos de hormônios da tireoide e substâncias que estimulam o sistema nervoso, também funcionam para esse fim— mas, às custas de um alto preço para a saúde.

“O coração vai ficar doente, você vai perder massa muscular, massa óssea, e todo um pacote de reações graves”, diz o especialista.

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É justamente algo assim que pode vir de brinde dentro de um frasco de tirzepatida duvidoso. “Existe o risco de você estar tomando uma coisa e até ter um efeito, entre muitas aspas, “semelhante” ao Mounjaro, no que diz respeito à perda de peso, mas você não sabe o que tem naquilo e quais serão as reações adversas”, explica o professor.

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Destrinchando fórmulas emagrecedoras “naturais”

“Mounja Caps? Que falácia!”, exclamou a nutricionista Vanderlí Manchiori ao ser apresentada à uma das propostas de Mounjaro natural que localizamos nas redes sociais. Especialista da Associação Brasileira de Fitoterapia (ABFIT), ela comentou sobre as fórmulas apresentadas em alguns rótulos vendidos online.

Esses produtos costumam reunir uma combinação de substâncias de origem vegetal, fibras, micronutrientes e compostos bioativos. Entre os exemplos mais comuns estão o café verde, fonte de ácido clorogênico; a cúrcuma, conhecida por sua ação anti-inflamatória; o feno-grego, tradicionalmente usado como digestivo; e fibras como inulina e psyllium, que aumentam a saciedade por ocupar volume no estômago.

Segundo Vanderlí, as fórmulas incluem alguns compostos com efeitos metabólicos pontuais, mas não há comprovação de que a sinergia da maioria delas leve à redução do apetite, muito menos que envolvam atuação em mecanismos hormonais.

“Obviamente, não tem o menor cabimento comparar isso à tirzepatida”, diz. “E pode existir um risco, porque a gente não sabe qual é a procedência da matéria-prima dessas plantas medicinais”, alerta.

Na fitoterapia e no campo da nutrição existem diversos nutrientes que podem auxiliar na redução do apetite, melhorar índices glicêmicos e até controlar a ansiedade descontada na comida, destaca Vanderlí. No entanto, um consumo seguro deve ser orientado por profissionais e nunca guiado por propagandas da internet.

E as versões manipuladas?

No último mês, a Polícia Federal investigou profissionais e empresas suspeitos de fabricar e vender ilegalmente tirzepatida. Eram supostas versões manipuladas.

A legislação até permite a manipulação em farmácias magistrais dessa substância, mas só em situações excepcionais, quando há necessidade individual comprovada. No entanto, na prática, essa exceção virou brecha.

Mudanças mínimas na dose — como prescrever 5,2 mg em vez de 5,0 mg —, apesar de não terem benefício clínico, têm sido usadas para viabilizar produção em larga escala, o que é ilegal.

O grande perigo é que esses produtos não passam pela avaliação de segurança e eficácia da Anvisa e têm controle de qualidade inferior. Os riscos vão de contaminação e impurezas à dosagem errada.

“Inclusive, nos Estados Unidos, há relatos de superdosagem. Um estudo encontrou concentrações até 38% maiores do que o declarado, o que pode causar intoxicação”, diz Macedo.

Outras análises, diz o médico, indicam que, enquanto o recomendado é que a substância seja 99% pura, estudos também norte-americanos mostraram que a pureza média de medicamentos manipulados variou entre 7% e 14%.

Por isso, seja como for, o que os especialistas alertam é que não existem atalhos seguros quando se fala em medicamentos complexos como a tirzepatida. “O maior risco é o desconhecido”, resume Clayton Macedo.

Fora do circuito regulado, qualquer promessa de efeito semelhante ao do Mounjaro vem acompanhada de incertezas sobre o que está sendo consumido.

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