O autismo em meninas e mulheres ainda é pouco compreendido pela sociedade e, consequentemente, na idade adulta, pelo mercado de trabalho.

Durante muito tempo, acreditou-se que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) afetava majoritariamente os homens, o que levou à invisibilização, ao subdiagnóstico e à falta de suporte adequado para mulheres autistas.

No ambiente profissional, esse desconhecimento gera desafios que vão desde a dificuldade em obter um diagnóstico correto até a necessidade de adaptação a normas sociais e culturais do mundo corporativo.

Características do autismo em mulheres

As ciências médicas e psicológicas já demonstraram que o autismo em mulheres pode se manifestar de maneira diferente do que em homens, tornando o diagnóstico mais desafiador. Estudos indicam, porém, que o reconhecimento do autismo feminino tem aumentado significativamente.

Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mostram que a proporção de meninos para meninas diagnosticados com autismo diminuiu de 4,7:1 em 2012 para 3,8:1 em 2023, com a taxa de autismo em meninas e mulheres ultrapassando 1% pela primeira vez.

Muitas mulheres autistas desenvolvem estratégias de camuflagem social para se adaptar às expectativas alheias, ocultando seus desafios e tornando-se quase invisíveis em sua neurodivergência.

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Isso pode resultar em esgotamento mental, ansiedade e depressão, especialmente no ambiente profissional, onde há uma forte pressão por desempenho e interação social.

Diagnóstico tardio e impactos na vida profissional

Sem um diagnóstico claro, muitas mulheres passam a vida se sentindo inadequadas ou deslocadas, sem entender por que interações sociais e demandas sensoriais parecem mais desafiadoras para elas do que para suas colegas neurotípicas.

O diagnóstico tardio é uma realidade comum. De acordo com o Mapa Autismo Brasil, um terço das mulheres autistas recebe o diagnóstico após os 20 anos, em contraste com menos de 10% dos homens.

Essa demora no reconhecimento do autismo feminino dificulta o acesso a adequações na formação, oportunidades de trabalho e a implementação de políticas inclusivas dentro das empresas.

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O mercado de trabalho ainda segue um modelo padronizado de competências e habilidades interpessoais, favorecendo aqueles que se encaixam nos moldes tradicionais de comunicação e sociabilidade.

Isso significa que mulheres autistas podem enfrentar dificuldades em processos seletivos que priorizam interações sociais e respostas rápidas, sem considerar que pessoas no espectro podem processar informações de maneira diferente e precisar de mais tempo para formular respostas.

Além disso, ambientes sensorialmente desafiadores, como iluminação intensa, ruídos constantes e interações frequentes, podem comprometer o bem-estar e o desempenho de pessoas autistas.

Inclusão ainda deixa a desejar

A inclusão de autistas no mercado de trabalho ainda é baixa: no Reino Unido, apenas cerca de 29% dos adultos autistas estão empregados, enquanto nos Estados Unidos e na Austrália esse número é de aproximadamente 38%. Estima-se que entre mulheres autistas esses números são ainda maiores.

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A falta de compreensão e apoio também dificulta a adaptação de rotinas e expectativas, prejudicando o aproveitamento do talento dessas profissionais.

Para se manter no mercado de trabalho, muitas mulheres autistas acabam suprimindo suas características naturais e imitando padrões neurotípicos, o que pode levar a crises de exaustão, aumento da ansiedade e, em muitos casos, burnout. O impacto dessa adaptação forçada é significativo e exige uma reavaliação das práticas empresariais.

Para aproveitar talentos

Para que o mercado de trabalho seja verdadeiramente inclusivo para mulheres autistas, é essencial que as empresas adotem medidas concretas de acolhimento e acessibilidade.

Algumas ações fundamentais incluem tornar os processos seletivos mais acessíveis, oferecendo entrevistas estruturadas com perguntas enviadas previamente e aplicando testes práticos em vez de apenas avaliações comportamentais. Também é necessária a criação de ambientes de trabalho mais adaptáveis, adequando a iluminação, reduzindo ruídos e permitindo a personalização do espaço.

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Outra iniciativa importante é o treinamento de lideranças e equipes para conscientizar gestores e colaboradores sobre neurodiversidade e sobre as especificidades do autismo feminino.

Além disso, oferecer flexibilidade na comunicação e na rotina é essencial, permitindo trabalho remoto, horários ajustáveis e interações menos invasivas, priorizando e-mails ou chats escritos para demandas não urgentes.

O mercado de trabalho ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir a inclusão efetiva de mulheres autistas. Isso exige não apenas políticas de ESG baseadas em evidências científicas, mas também uma mudança cultural na forma como a neurodiversidade é percebida e valorizada dentro das organizações.

O talento dessas mulheres não pode ser desperdiçado por falta de adaptação ou desconhecimento. Mais do que promover a inclusão, é preciso criar espaços onde a autenticidade e a diversidade de pensamento sejam verdadeiramente reconhecidas e incentivadas.

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Marcelo Franco é psicólogo cognitivo-comportamental e neuropsicólogo, diretor de operações no Nordeste da Specialisterne no Brasil, organização social de origem dinamarquesa presente em 26 países, que atua na formação, inclusão e acompanhamento de pessoas com autismo no mercado de trabalho.

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