Nunca se falou tanto de dopamina. Para o bem e para o mal. Tem livro, série de TV e até perfil nas redes sociais protagonizados por esse neurotransmissor — um mensageiro químico que atua na conversa entre os neurônios.
Se por um lado a descarga de dopamina nos motiva a ir atrás das boas recompensas da vida, por outro o desbalanço em seus níveis abre brechas a vícios, compulsões e outras encrencas mentais. Mas será que conseguimos modulá-la por meio do estilo de vida? O neurocientista britânico TJ Power diz que sim.
Em A Dose Certa, seu novo livro publicado no Brasil pela editora HarperCollins, o psicólogo e pesquisador com nome de celebridade apresenta não só caminhos para otimizar o fluxo de dopamina como também as medidas que asseguram outras substâncias fabricadas pelo corpo e indispensáveis ao equilíbrio físico e mental — no caso, a endorfina, a ocitocina e a serotonina.
Na verdade, o neurocientista com passagens pelas universidades de Exeter e Oxford criou um método, baseado na literatura médica e em seus próprios estudos, para elevar ou regular os níveis desses quatro hormônios. O método atende pelo acrônimo DOSE, as iniciais, respectivamente, de dopamina, ocitocina, serotonina e endorfina.
Para TJ Power, o mundo e os hábitos atuais tendem a nos levar a uma descompensação na liberação dessas moléculas. E, se quisermos incrementá-las e aproveitá-las de uma forma sustentável, a solução não se encontra em remédios ou suplementos. Reside numa revisão do estilo de vida. É isso que o seu livro propõe, de uma forma extremamente prática.
A dose certa
Estressados e cansados: como chegamos até aqui
O autor de A Dose Certa parte de um princípio bastante discutido na biologia evolutiva. O corpo humano foi moldado por milhares de anos de história a viver de um jeito. E aí, numa fração de segundos do ponto de vista geológico, passamos a viver de uma forma muito diferente.
Éramos caçadores e coletores. Viramos seres sedentários, com telas e refeições delivery à mão. Uma das maiores mudanças, expõe TJ Power, é que, se no passado chegamos a viver 85% do tempo ao ar livre, hoje raramente superamos os 7%. Sim, há o bônus e o ônus da civilização moderna.
O problema é que essa ruptura cultural e biológica cobra um preço do organismo. E interfere na produção dos quatro citados hormônios do bem-estar. A boa notícia, de acordo com o neurocientista, é que mudanças de hábito podem superar ou amenizar esse desequilíbrio.

Otimizando a dopamina
Esse neurotransmissor é nosso motivador por excelência. E é por essa mesma razão que pode nos colocar em maus lençóis. Power explica que, hoje, podemos viver numa espécie de gangorra da dopamina. Fumar, usar drogas, ficar horas e horas no celular, devorar comida ultraprocessada… Tudo isso faz a dopamina disparar e depois desabar.
Na contramão, quando fazemos atividade física regularmente, nos empenhamos em tarefas como a leitura e trabalhamos para atingir metas realistas e duradouras, a tendência é balancear esse fluxo.
Para o autor, os grandes inimigos do ciclo dopaminérgico hoje são:
- alimentos lotados de açúcar
- álcool, cigarro e outras drogas
- redes sociais
- jogos de apostas
- pornografia
- compras pela internet
Repare que todos esses elementos têm a ver com comportamentos compulsivos.
Para reequilibrar a liberação da dopamina, Power sugere a criação de disciplina na rotina, a busca de atividades que demandem foco profundo (como a leitura ou um trabalho manual) e o jejum de atividades que retroalimentam o círculo vicioso – sim, vale jejum de celular.
+Leia também: Por que as telas nos fazem tão mal — e por que não conseguimos nos livrar delas?
Elevando a ocitocina
TJ Power a chama de substância da conexão. Sim, é a ocitocina que as mães liberam na hora do parto e da amamentação. Esse hormônio é crucial para a criação de confiança e vínculos. Mas vínculos reais. Não adianta ser amigo de rede social.
A atual carência de ocitocina vem, no diagnóstico do autor, da nossa imersão excessiva no universo digital. Deixamos as autênticas relações sociais de lado para viver num eterno feed. E isso acontece até no meio de um almoço em família — basta ver quantos dos “presentes” estão no celular.
Pior: frequentemente, é o mesmo estonteante mundo do Instagram e do TikTok que baixa nossa autoestima e nos deprime depois. Romper com esse status pressupõe, portanto, mais interação de verdade, o que inclui toque e conversa. É preciso “criar tempo para se conectar com as pessoas que a gente ama”, prescreve Power.
Como aumentar a serotonina
Está de bom humor? Agradeça à serotonina. Está com os ânimos ladeira abaixo? Provavelmente esse neurotransmissor não está sendo liberado e captado pelos neurônios como deveria. Ora, o déficit nesse sistema é considerado um dos motivos por trás da depressão.
O psicólogo e autor de A Dose Certa vê a falta generalizada de serotonina por aí como um sintoma de nossa desconexão com a natureza. Pois é, estudos vêm comprovando isso: quem vive mais em ambientes urbanos, sem condições de dar um passeio entre as árvores, costuma apresentar níveis mais baixos dessa substância.
A receita para turbiná-la, assim, passa por mais tempo ao ar livre, tomando sol e travando contato com a flora e a fauna ao redor. Há quem diga que é um antidepressivo natural.
Outros hábitos que negligenciamos atualmente também ajudam a reverter o marasmo da baixa serotonina. Um deles é comer melhor, priorizando alimentos frescos e de origem vegetal. Eles nutrem uma microbiota intestinal mais equilibrada — um suporte e tanto para o aparelho digestivo, onde se produz 90% da serotonina do corpo.
O valor da endorfina
Eis a substância endeusada por corredores e outros esportistas. De fato, não há melhor fórmula para descarregar endorfina do que o exercício físico. É o hormônio antiestresse, na definição de TJ Power.
Para aumentar os níveis, não tem escapatória: é preciso levantar-se do sofá e começar a se mexer. No livro, o autor inclusive traz recomendações de exercícios que podem até ser feitos em casa. Aliás, ele também destaca a importância dos alongamentos nesse processo.
No mais, dar risadas e ouvir as músicas de sua preferência fazem parte das propostas ancoradas em ciência para deixar as taxas de endorfina tinindo. O bacana é que elas podem ser combinadas à prática de esportes — e também contribuem para regular os outros hormônios do bem-estar.
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