O uso prolongado de uma classe de medicamentos estimulantes, utilizada para tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), pode aumentar a chance de doenças cardiovasculares (DCVs).
Trata-se da lisdexanfetamina, cujo nome comercial é Venvance. A conclusão baseia-se em vários estudos sobre o tema, incluindo a meta-análise sueca Medicamentos para Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e Risco de Doenças Cardiovasculares a Longo Prazo que monitorou usuários por cerca de quatro anos.
Segundo a pesquisa, terapias com a droga, praticadas entre cinco e 14 anos, foram associadas a elevações modestas, mas significativas, da pressão arterial sistólica, diastólica e da frequência cardíaca.
De acordo com a medida estatística conhecida como razão de chances ajustada (AOR – Adjusted Odds Ratio), quando usada entre um e dois anos, o risco de a lisdexanfetamina levar às DCVs é 9% maior na comparação com não usuários ou com quem toma há menos de um ano; para aqueles que fazem o manejo entre dois e três anos, o percentual é 15% superior.
O uso contínuo, entre três e cinco anos, acresce em 27% a chance de alteração de algum parâmetro que leve às patologias do sistema cardiovascular. Já quem utiliza há mais de cinco anos apresenta 23% mais possibilidade de desenvolver cardiopatias.
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O que dizem os estudos científicos
Do ponto de vista científico, entretanto, essas estimativas não inviabilizam a prescrição. Os estudos recentes convergem para a conclusão de que, em pacientes com o diagnóstico de TDAH, a lisdexanfetamina é segura para o coração desde que haja controle dos fatores de risco cardíaco durante o tratamento.
Cada pesquisa encorpa o conhecimento científico a respeito. O trabalho Existem efeitos farmacológicos potencialmente perigosos na combinação de medicamentos para TDAH com álcool e drogas de abuso?, por exemplo, concluiu que há maior associação com hipertensão e doenças arteriais, mas não identificou aumento expressivo de arritmias, insuficiência cardíaca, isquemia, tromboembolismo ou acidente vascular cerebral (AVC).
No estudo Tratamento Farmacológico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, também se evidencia a confiabilidade para o tratamento com lisdexanfetamina em adultos sem DCVs pré-existentes, desde que haja monitoramento regular da pressão arterial e frequência cardíaca, especialmente em terapias prolongadas.
A investigação Segurança de Estimulantes em Populações de Pacientes reforça a proteção cardiovascular em curto e médio prazos e destaca a importância do acompanhamento clínico, sobretudo em pacientes com histórico de vulnerabilidade cardiológica.
Uso off label preocupa especialistas
Mas o que preocupa os médicos de maneira geral é o aumento significativo de consumo da lisdexanfetamina, inclusive por pessoas não diagnosticadas com TDHA. Levantamento do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) apontou alta nas vendas entre 2018 e 2022, passando de 618 mil para 1,4 milhão no período.
A popularidade entre aqueles que não têm indicação de uso pode ser explicada pelos efeitos que a droga promove.
Ela eleva os níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro, neurotransmissores que melhoram a atenção, concentração, memória, humor, disposição e sensação de bem-estar. Por isso é procurada para obter mais energia, foco e, principalmente, conter a compulsão alimentar sendo um adjuvante das dietas.
Há relatos de quem se automedica apenas para aproveitar eventos recreativos, como festas e viagens.
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Casos de automedicação e riscos graves
Infelizmente esses usuários desprezam a verdade de que o medicamento foi desenvolvido para os que, comprovadamente, necessitam de sua ação. E que pode haver consequências para os que consomem sem prescrição médica, em dosagens aleatórias e por motivos torpes.
Vivenciamos a história de um paciente, na faixa dos 30 anos, que se automedicou com várias doses máximas da lisdexanfetamina por 24 horas, além de tomar cafeína e energético com o objetivo de cumprir metas no trabalho. O desfecho foi uma crise hipertensiva grave, que o deixou na UTI por 48 horas.
O exemplo é prova de que não basta um fármaco ser tecnicamente seguro. Porque esta segurança está baseada em um contexto, que considera diagnóstico correto, dosagem indicada caso a caso, comorbidades e doenças pré-existentes.
Mas a automedicação anula esta lógica e o resultado pode ser desde a não eficácia para o objetivo pretendido até desfechos mais graves, como os comprometimentos cardiovasculares.
*Silvio Reggi é cardiologista e assessor científico da Sociedade de Cardiologia do estado de São Paulo (Socesp). Pedro Barros e Silva é cardiologista e foi diretor científico do 45º Congresso da Socesp (2025)