A leptina é um hormônio produzido pelo tecido adiposo, que mudou a forma como se enxerga a gordura e se entende todo o balanço energético do corpo humano.
Até cerca de 30 anos atrás, a gordura corporal era menosprezada e pouco estudada, considerada apenas uma reserva de energia. Em tempos onde há comida disponível para a maioria da população, muita gente julgava sua ação como inútil ou até prejudicial ao corpo humano.
Mas não é bem assim. O tecido adiposo é um importante órgão endócrino, intimamente ligado ao controle do peso e funções vitais. Entenda mais sobre a leptina a seguir:
+Leia Também: Os remédios que prometem mudar o tratamento da obesidade
O que é a leptina?
É um hormônio produzido pelos adipócitos, as células que armazenam gordura.
A leptina foi descoberta em dezembro de 1994 em Nova York, nos Estados Unidos, no laboratório do cientista Jeffrey Friedman da Universidade Rockefeller.
A quantidade desse hormônio reflete os níveis de adiposidade de um ser humano. Se um indivíduo tem mais gordura, ele possui mais células produzindo leptina; se tem menos, vai ter uma menor produção.
Esse mecanismo é crucial para informar o nosso cérebro se o tamanho do tecido adiposo (reserva energética) está adequado ou não, influenciando diretamente nos neurônios da fome e saciedade.
Ela faz essa comunicação por meio da saciedade, informando quando é hora de parar de comer.
+Leia Também: Obesidade: nova forma de diagnóstico vai além do IMC
Para que serve a leptina?
A leptina contribui fortemente para a homeostase (o equilíbrio) do organismo.
Além de ter papel chave na sinalização da saciedade, ela também está ligada a diversos mecanismos comandados pelos hormônios esteroides, que são feitos com moléculas de gordura. Entram na lista a reprodução, a resposta imune e inflamatória, a hematopoiese (formação de células do sangue) e até a formação óssea.
Pessoas que têm uma mutação rara, resultando em deficiência total de leptina, sofrem com uma grande hiperfagia, gerando obesidade grave logo nos primeiros meses de vida: “Como não há sinalização desse hormônio, o cérebro acha que há falta de tecido adiposo, é como se a pessoa estivesse com inanição, por isso o corpo o manda comer mais e economizar bastante energia”, explica o pesquisador José Donato Jr., do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC).
Quem não possui o hormônio também acaba com hipogonadismo, pré-diabetes, e imunidade comprometida. O tratamento para a falta genética de leptina é fazer sua reposição.
+Leia Também: A febre dos hormônios: cresce uso indevido de testosterona e companhia
Como a leptina regula o balanço energético?
Durante décadas, a regulação dessa balança foi uma incógnita para a ciência, mas tudo mudou em 1994 com a descoberta da leptina.
“Estudando a leptina, foi possível localizar os neurônios que controlam a fome”, conta o médico Lício Velloso, também do OCRC. “Antes, não se sabia que uma área do cérebro, o hipotálamo, exercia um papel no controle do apetite”, explica.
O hipotálamo é, na verdade, o maestro da orquestra que nos leva à mesa — e nos tira de lá. Nessa estrutura cerebral, convivem duas classes de neurônios reguladores do apetite: uma fica ativada quando estamos satisfeitos; a outra quando estamos com fome.
Tudo acontece num ciclo perfeito. Quando falta combustível para o organismo, o hormônio grelina é liberado pelas células do estômago e aciona os neurônios pró-fome.
Já quando estamos ficando cheios, a leptina cai na corrente sanguínea e entra no cérebro, acionando seus receptores no hipotálamo e emitindo sinais de saciedade, assim inibindo a fome, favorecendo o gasto energético e até aumentando a oxidação (ou queima) de lipídeos.
Outro hormônio que também ajuda a promover saciedade é o famoso GLP-1, mimetizado por moléculas como semaglutida e tirzepatida.
Nesse contexto, aumentar os níveis circulantes de leptina favorece a perda de peso, e reduzir os níveis desse hormônio (quando há emagrecimento, por exemplo) gera aumento de fome e redução do gasto energético. Isso compromete algumas funções do organismo que exigem bastante energia.
Mulheres com baixo nível de gordura, e consequentemente baixa leptina, tendem a parar de ovular, por exemplo.
+Leia Também: Obesidade: novos remédios, velhos dilemas
Resistência à leptina: o caso da obesidade
Se pessoas com obesidade possuem muita leptina, porque carregam bastante células de gordura, como altas taxas do hormônio favorecem a perda de peso e a saciedade? Pode dar um nó na cabeça mesmo.
Na verdade, o corpo com obesidade desenvolve resistência à ação da leptina.
Todo o balanço energético é desmantelado pelo acúmulo exagerado de gordura no corpo. A gordura visceral, que se instala entre os órgãos dentro do abdômen, é uma fábrica de moléculas inflamatórias, as culpadas pela algazarra que arruína a harmonia do organismo.
À medida que a pessoa engorda, mais cresce seu estoque de gordura visceral e seus níveis de inflamação. E, com o tempo, esse estado crônico atrapalha a ação dos hormônios que regulam o balanço do apetite e da saciedade, caso da leptina.
E aí que surge o paradoxo: pessoas com obesidade produzem bastante leptina, mas isso não se traduz em menos fome e perda de peso porque o organismo é resistente a ação dela.
É por isso que não adianta tomar leptina para sentir menos fome e emagrecer. Ela já foi testada como remédio antiobesidade e não funcionou, exceto em casos em que há uma deficiência genética na produção do hormônio.
+Leia Também: Gordura no fígado: conheça 7 sintomas dessa ameaça silenciosa
Existe cura para a resistência a leptina?
Não, assim como não dá para curar a resistência a insulina, por isso tanto a obesidade como o diabetes são doenças crônicas.
Na obesidade, o aumento da inflamação repercute em outros hormônios (cortisol, insulina…) e até na microbiota intestinal, promovendo colônias de bactérias que favorecem a absorção de energia dos alimentos.
No fim, o círculo vicioso conspira para aumentar a vontade de comer e acumular energia no tecido adiposo, situação que leva a uma inflamação crônica que ameaça o hipotálamo. “Caso isso perdure, pode até ocorrer a morte de neurônios ligados a saciedade, gerando um desequilíbrio definitivo na regulação do apetite”, diz Velloso.
O controle da fome e da saciedade depende, em boa medida, de mecanismos inconscientes, conduzidos por reações químicas e sinais elétricos que ficam descompensados na obesidade.
Para tratar essa doença, procure ajuda de uma equipe multiprofissional, envolvendo nutricionista, educador físico, médico endocrinologista e/ou cirurgião do aparelho digestivo e psicólogo.
Compartilhe essa matéria via: